Maju passou vinte e sete anos em são paulo e agora enxerga tudo sumir num borrão à medida que o ônibus avança. ela se lembra das antigas patroas, da rotina exasperante, dos quartos apertados, do garotinho que jurou nunca a esquecer mas que não reconheceu a babá cinco meses depois, da chuva da cidade mais suja do que limpa, das calçadas que ela lavava diariamente, do companheiro que a abandonou. maju precisou abrir mão de tudo para não perder o trabalho, mas agora deu sua última cartada para ter a filha que nunca pode ter: do seu lado, ali no ônibus, está a filha da patroa. que agora é sua filha.
é esse sequestro que vai ditar o tom pra narrativa de suíte Tóquio, livro de Giovana madalosso. o livro tem uma velocidade de romance policial, uma agilidade cinematográfica, que cria um sentimento de urgência, tanto nos personagens, quanto no leitor. porque a gente acompanha intercaladamente dois enredos: a fuga e a investigação.
de um lado, maju, uma mulher de meia idade, seguindo em direção ao interior do paraná com cora, a criança raptada. as duas se escondendo, mudando de identidades, pegando carona. e se relacionando: essa mulher cheia de crendices, de fé e uma criança que ainda não conhece o mundo real, de motéis, rodoviárias e estradas sujas.
do outro, dona fernanda, que trabalha numa produtora de audiovisual. ela aflita, sem saber onde a filha está, mas também aflita em um casamento que a sufoca, comprimida entre as expectativas que a maternidade, o trabalho e o casamento criam sobre ela. não vou comentar muito, mas de certa forma, essa também é uma narrativa de fuga. uma fuga pra dentro.
é um livro cheio de reflexões, temas bem contemporâneos, mas com uma linguagem que é simples, com um humor que é agradável. aí não vira um livro cabeçudo demais, apesar de render muita conversa.
a Giovana madalosso trabalha no livro com uma noção de incompletude que é própria do ser humano mas que talvez seja ainda mais própria do feminino, que é dito sempre incompleto – sempre disseram pra maju que ela só estará completa quando tiver marido e filhos, mas ela não conseguiu isso e surta. do outro lado, fernanda que tem esse homem, que tem essa filha, e ainda assim se sente mal porque ela continua mais exausta que satisfeita.
o livro também fala muito sobre o trabalho na contemporaneidade. sobre desgaste, estresse, instabilidade, receio de uma demissão. sobre trabalhar muito pra ter um certo bem-estar, mas que ficar sempre ou ansioso ou cansado justamente porque trabalha muito.
é sobre a vida nas grandes cidades, sobre o tempo que escapa, o tempo que foge, as rotinas que não nos deixam contemplar a vida, que tira o nosso sonho de nós mesmos, que tira a gente de nós mesmos.