sabe aquela frase famosa “pra que rimar amor com dor?”.
eu fico pensando que ana guadalupe, nesse livro, preocupações, escolhe uma outra rima possível. ela rima dor com humor.
seus poemas nessa obra, publicada pela editora macondo, fazem graça da infelicidade, do trauma, da ansiedade, dos arrependimentos, das tristezas cotidianas. quando é vida ou morte é sempre morte. não de um jeito debochado ou insensível, mas com um olhar terno para cenas que também nos definem para além do romance ou da felicidade.
ela olha para uma infância num orfanato, um cachorro que precisou ser sacrificado, um acidente com caco de vidro. ela fala sobre o jogo performático de precisar expor sua dor a um público, e nisso ironiza a própria arte, quando sente medo de não receber mais a visita da poesia e ver suas faturas continuando abertas no fim do mês.
a poeta abraça suas infelicidades modernas, como o fato de todos os eletrônicos de uma casa estragarem ao mesmo tempo ou quando cortam a internet, e relembra as infelicidades juvenis, como não ter todos seus desejos supridos pela biblioteca do bairro ou não ser beijada num encontro.
celebra o desamor, que deixa que você escolha sozinha o filme que irá passar, que não te torna um carrinho desgovernado numa mina.
ana guadalupe olha para a solidão e agradece por ela. afinal, ir ao mercado sozinha é mais rápido e ninguém te julga por ser hipnotizada pelas prateleiras. é parte dessa solidão, se sentir em casa dentro dos próprios calçados, desmarcar os encontros com os amigos. se é para compartilhar a vida com alguém, é bom que seja com alguém que também está ficando cego como ela. se é para alguém depender de você, que seja o leitor destas linhas.