a cada momento da vida a gente parece estar vivendo um momento definitivo, como um acidente de carro, uma perna fraturada ou uma copa do mundo. em contrapartida, algumas coisas parecem tão pequenas dentro do cotidiano que a gente jura que se esquecerá delas daqui a alguns anos, como a percepção das farmácias de um bairro ou a ausência de chuvas em uma determinada data.
porém, é só no futuro que a gente realmente entende o que ficou sedimentado na memória, o que formou nossa identidade e nossa visão de mundo. como um dia que um pequeno andré dahmer chorou de espanto diante de três sombras que seu corpo produziam, sendo que antes ele achava que cada corpo poderia produzir apenas uma sombra. o que imprime a sombra não é o corpo, mas a luz.
o que imprime a memória não passa pela agência, pela decisão. existe muito pouco de corpo, existe muito pouco de escolha nesse processo. você nunca sabe o que um trauma produzirá – se você conseguirá aprender a dirigir, se você continuará gostando de macarrão com ovo. esse novo livro de poemas do andré dahmer parece brincar com essas casualidades estranhas do cérebro – é uma poesia que bebe da prosa, para tecer um livro de memórias pouco provável. o dia que percebeu que deixou de ser elogiado pelos avós, o momento em que entendeu a importância da mentira, a vez que entendeu o que era um beijo adulto, a hora que aprendeu que o mar não é confiável, todos os erros que são pra sempre.
a gente acha que escolhe o rumo das coisas, que quando aprender a lidar com a vida ninguém vai nos segurar, mas o que sobra no final mostra que não. é impressão sua. as coisas acontecem sozinhas, querendo você ou não.