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algo antigo.
o tema do episódio de hoje é o novo livro de arnaldo antunes, poeta, compositor, músico. a maioria das pessoas deve conhecer o autor por ter feito parte do grupo tribalistas ou por ter sido um dos membros da formação original dos titãs. eu, particularmente, não acompanho a carreira dele como músico, mas esse currículo já coloca o leitor na posição de esperar do livro um destaque para a sonoridade. talvez essa seja a coisa que eu tenha aberto o livro já esperando – perceber as questões de som, ritmo, velocidade, musicalidade.
em certa medida, é esse um dos pontos que mais destaco mesmo no algo antigo. arnaldo antunes tem uma construção poética que se relaciona com sua trajetória na música popular. são palavras simples, corriqueiras. a rima é frequente. os cortes nos versos nem sempre são óbvios. alguns versos muito curtos, palavras cortadas pela metade, palavras inventadas por duas metades, poemas centralizados na página… isso gera um estranhamento quando a gente compara com outros poetas ou com uma forma mais tradicional de poesia e de versificação, mas a leitura é muito agradável, sonora, pra cima, viva, divertida. sua forma é muito concisa, tem certa sofisticação, mas isso não atrapalha seu desejo de ser popular, de comunicar.
eu acho curioso que a sinopse que vende esse livro fale em “noticiário e política” como eixos desse livro, porque eu não percebo isso como um eixo propriamente dito. esse marketing cria uma sensação de que a poesia do livro é um comentário sobre a atualidade, sobre questões efêmeras, enquanto eu enxergo as ideias que estão aqui, sobre o mundo, cenário urbano, a burocracia, as repetições da rotina, a passagem do tempo, saudade, nostalgia, a construção da memória, a sensação de solidão, a experiência de isolamento… como coisas realmente mais atemporais. para mim, esse não é um livro que passa pelo que entendo de noticia.
de qualquer forma, a poesia do arnaldo antunes é bem contemporânea, captável com facilidade, mas não por serem construções rasas ou rasteiras, mas porque ele trabalha com um minimalismo, uma sensibilidade, uma leveza, um humor, que ajudam as experiências a serem relacionáveis, mesmo quando os jogos de palavras são mais profundos ou menos óbvios. fica evidente as suas influências da poesia de waly salomão e outros modernistas, mas também existe um lado de concretismo, que se coloca em choque com a ideia do som, que é a imagem.
não que seja contraditório, uma oposição direta, som e imagem, mas às vezes ele cria poesias visuais que são difíceis de desvendar e sair da leitura da imagem em si. são experimentações com a página, as fontes, fotografias, objetos, geometrizações do texto. o livro tem umas espécies de gráficos e diagramas que são feitos como um enigma que leva muito mais tempo que os outros poemas, que permitem muitas ordens de leituras, e que tornam difícil em alguma medida transformar em leitura em voz alta.
enfim, como eu disse, até os poemas mais conservadores flertam com a poesia concreta no corte dos versos e na ocupação do papel, então a experiência que vocês tem aqui, agora, ouvindo os poemas que selecionei é significantemente diferente da experiência de ter acesso à formatação da página, ao visual. então, se se interessarem por essa amostra, saibam que o livro em si é outro algo.