lançamentos, inéditos, traduções: as melhores leituras do ano de acordo com nossa equipe
poesia
a proclamação da vulgaridade ou quantos furos uma calcinha pode ter? - mila teixeira
por andre aguiar
ler Mila Teixeira é ser vizinho de um apartamento sem janelas, ouvir escondido a consulta de outra pessoa com a taróloga, não devolver o caderninho amarelo que alguém deixou cair. sua poesia tem a textura das coisas práticas e a distinção das piadas físicas.
editora urutau
68 páginas
ficção
Autobiografia do Vermelho um romance em versos - Anne Carson
por felipe andré silva
Aconteceu o que eu esperava: Assim que Autobiografia do Vermelho caísse no mercado brasileiro, a poesia de Anne Carson seria absorvida, festejada e compartilhada com furor viral (guardados os limites do nicho literato, é claro). Carson já havia sido traduzida no país com o intrigante O Método Albertine, mas é na sua obra prima estranhamente erótica e febril que se encontra o segredo da voz da canadense. Tomando um empréstimo da mitologia greco-romana, Carson fala sobre monstro e homem que se amam através dos tempos e como isso é corriqueiro, como a existência de um vulcão, e como isso é explosivo, como a erupção de um vulcão; os dois parte da mesma história.
tradução de ismar tirelli neto
editora 34
192 páginas
ficção
bicho geográfico - bernardo brayner
por felipe andré silva
Muitas águas já rolaram, em especial nas últimas duas décadas, no terreno pantanoso da dita autoficção. Entre mortos e feridos surge às vezes alguém cuja voz é tão incontornável que injeta um vigor absolutamente novo no formato. As memórias (?) de Bernardo Brayner não poderiam ter sido escritas por mais ninguém, e talvez isso não signifique tanto para quem não o conhece pessoalmente, mas é muita coisa. Exímio construtor de imagens, atmosferas e labirintos, como o seu adorado Georges Perec, Bernardo faz de Bicho Geográfico um quebra-cabeças muito delicado sobre a infância e o que dela reverbera para o futuro. Um romance de formação como os melhores.
cepe editora
107 páginas
poesia
cine studio 33 - estela rosa
por andre aguiar
estela rosa constrói um cinema que importa pouco. importa mais as bordas, as pessoas, aquela gente, aquela cidade que propiciou o cinema. sua poesia é feita de nomes comuns, contadores de causos, memórias jamais filmadas. cine studio 33 é uma ficção real.
edições macondo
92 páginas
poesia
eu confundi um vaga-lume com um acidente de avião - vinícius mahier
por andre aguiar
explosões, amores em queda, pedaços de cultura voando sem sentido. quando parecemos estar perto do destino e o verso parece se render ao clichê, vinicius mahier faz um desvio e o avião sai do piloto automático. dessa espontaneidade cuidadosa se extrai o ridículo do cotidiano. o fim da viagem nunca é o lugar comum.
edições macondo
108 páginas
ficção
luxúria - raven leilani
por andre aguiar
seria só mais um livro sobre alguém de vinte e poucos anos descobrindo quem é enquanto trabalha e faz as piores escolhas amorosas possíveis - mas raven leilani adiciona as tensões políticas e identitárias deste tempo e isso muda tudo. em outras palavras, tudo, até o amor, é uma violência.
tradução de ana guadalupe companhia das letras
232 páginas
ficção
na casa dos sonhos - carmen maria machado
por tayná gonçalves
uma escrita experimental que narra/reflete/ensaia/rememora uma relação destrutiva. carmen maria machado diz que quem sabe seu nome pode te partir ao meio e mostra como relacionamentos abusivos também são comuns entre queers.
tradução de ana guadalupe
companhia das letras
360 páginas
ficção
o essencial de perigosas sapatas - alison bechdel
por tayná gonçalves
uma espécie de the L word em graphic novel, só que bem melhor. a cada página, novas e breves histórias de um grupo de mulheres lidando com questões cotidianas, sem deixar de lado o contexto social, político e econômico da sociedade estadunidense da época. diferente de muitas histórias meia boca, aqui as sapatonas não são definidas apenas pelo status de relacionamento.
tradução de carol bensimon
todavia livros
416 páginas
ficção
o som do rugido da onça - micheliny verunschk
por andre aguiar
o apreço de micheliny verunschk com a palavra é evidente, ela sabe: sem palavra ninguém pode ser gente. se a historiografia hegemônica é questionável ou rasa, cabe à arte imaginar possibilidades. um romance contado entre as rachaduras da história, uma forma de escrita que opera no decolonizar.
companhia das letras
168 páginas
ficção
os tais caquinhos - natércia pontes
por andre aguiar
do apartamento mais sujo do mundo, nasce essa coisa gelatinosa que é a palavra família. natércia pontes mostra como um mesmo relacionamento pode significar deslocamento e pertencimento, excesso e silêncio. cenas tristes e comentários absurdos justapostos: basta um detalhe pra quem lê ficar em dúvida se ri ou chora.
companhia das letras
144 páginas
ficção
poeta chileno - alejandro zambra
por andre aguiar
Para os habitués da obra de Alejandro Zambra, Poeta Chileno choca pela dimensão. O que teria para oferecer num quase calhamaço um autor que dominou como ninguém os segredos da narrativa breve? Como de se esperar, há muito para encontrar, da maneira como Alejandro sabe fazer: o poeta chileno do título se divide em personagens que sonham com a literatura, dependem dela, a rejeitam, se misturam inextricavelmente com suas palavras. É difícil ser definitivo em 2021, mas esse livro é das mais potentes cartas-de-amor-a-arte que vi em algum tempo, porque sabe que não é só dor, é sobretudo prazer.
tradução de miguel del castillo companhia das letras
432 páginas
não ficção
psiconautas: viagens com a ciência psicodélica brasileira - marcelo leite
por tayná gonçalves
ayahuasca, mdma, lsd, ibogaína e cogumelos. esse é um bom livro introdutório aos psicodélicos. marcelo leite entrevista pesquisadores, mostra porque essas drogas são promissoras para a saúde mental e faz algo difícil para qualquer psiconauta: coloca em palavras suas experiências com essas substâncias.
editora fósforo
264 páginas
ficção
Temporada de furacões - Fernanda Melchor
por felipe andré silva
Para os cinéfilos deixo aqui uma comparação e/ou provocação claríssima: Fernanda Melchor escreve como Cláudio Assis ou Amat Escalante filmam, só que muito melhor. Existe um fedor próprio da América Latina nas casas e pessoas que se enredam na trama violenta que a mexicana cria, mas não há glória ou objetificação ou prazer nessa sujeira. Há prazer nos sujeitos, nos seus desejos perversos ou nem tão perversos assim, mas a voz que narra tudo isso é verdadeira, olha para seu mundo com tanto respeito quanto possível. E que personagem é A Bruxa, inesquecível, imperdível.
tradução de Antonio Xerxenesky editora mundaréu
216 páginas
poesia
Tudo o que leva consigo um nome - Francisco Mallmann
por felipe andré silva
Se perde muito tempo devaneando se este texto de Francisco Mallmann é poesia, é prosa, é teatro, é feitiço (talvez tenha sido eu a perder o tempo), e enquanto isso se perde o trem: ele é outra coisa, é tudo isso e não é nada. Francisco escreve aqui sobre uma coisa que não tem nome e que no entanto conhecemos tão bem, sobre o luto que empreendemos nas tentativas de fugir da sombra de alguém e virarmos sujeitos por inteiro. Como diria Lana Del Rey e bem entendeu o poeta (escritor?), "às vezes o amor não é suficiente", Fernando.
editora josé olympio
320 páginas
poesia
Tudo que se aproxima faz um som - luiza leite
por andre aguiar
a cada verso, um novo ruído, compreensível ou incompreensível. luiza leite questiona o que é barulho e o que é diálogo numa poesia feita de pequenos passos, aproximações em direção ao estranhamento, encarando objetos, cenas, gestos, pessoas e suas paisagens internas. um livro para se ler com o ouvido.