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AO PÉ DO
          VULCÃO

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ poema de Lilian Sais
olhando a planície
devastada você
hesitou três vezes
até perguntar

quais flores
eram conhecidas
no tempo da guerra
de troia?

eu me lembrei da flor
que disseram precisar apenas
de uma lágrima
para brotar
e respondi

ali certo
teria sido lugar
de muitas delas

você olhou aquela terra seca
com tanta verdade
que sentimos o cheiro das pétalas
que ainda não vingaram

olhasse para mim assim
também eu seria uma verdade

brotando da terra
muitos anos antes
fui ao quintal de nossa casa
e me perguntei
onde estavam as flores

na frente o portão
à meia altura
duas cadeiras
e uma entrada tímida

nos fundos o quintal
de terra com terra
sobre terra

não importa
o que pareça
há telhado
e muitas paredes

sentenciei

não há dúvidas
esta é uma casa
você diz que eu sou dramática
gosto de explosões

mas nunca virou o rosto para o lado
nunca olhou pela janela

não percebeu

construímos a casa
ao pé do vulcão
você nunca se emocionou
com nossos passos
nossos filhos e os seus
passos

no entanto
ao olhar a planície
de uma guerra antiga
de uma cidade tombada
onde milhares de homens
tombaram

regou o solo como uma vertente d’água

descubro você
em algum momento distraído
sem a ajuda de homero

adivinhou sozinho
o vulcão
quatro cômodos alinhados
e a geometria perfeita
de uma casa

mas nunca um bolo
de café saindo do forno
às quatro horas da tarde
de um sábado qualquer
nunca legumes sendo cortados
com o utensílio certo
ou errado nunca
panelas sobre o fogo

ensaio correr
até a venda mais próxima

eu quero uma casa
uma maçã sobre a mesa

mas essa não é uma cidade
de supermercados
e há tantos anos eu não
me movo não saio

do lugar
sim seguimos
no mesmo lugar

sem perguntar
quem são essas pessoas
todas entrando
dia após dia
no nosso quintal

seguimos no mesmo lugar
quantos séculos mais?

seguimos
sem nunca mencionar
que somos nós
o casal estampado
na página dois dos panfletos
que ficam jogados no chão
do quintal

seguimos
maçã nenhuma sobre a mesa
não dizemos jamais
a verdade adivinhada

esta cidade é Pompeia

seguimos abraçados

sem nunca mencionar
o vulcão

lilian sais
é poeta e romancista. Doutora em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo. Venceu o 6º Prêmio Cepe Nacional de Literatura na categoria poesia, com o livro "Motivos para cavar a terra" (Cepe Editora, 2022). Seu romance "O funeral da Baleia" (Patuá, 2021) foi finalista no Prêmio São Paulo de Literatura.

tayná gonçalves
é jornalista multimídia e ilustrou estes poemas