A pedra empurrada para cima da montanha vai despencar morro abaixo. É preciso ter coragem para escolher o próximo passo: voltar ao início ou pular?
Quando uma criança sobe o morro com sua pedra, ela não sabe o que a aguarda. Crianças precisam ser amparadas porque existir é uma tarefa árdua e repetitiva, como Sísifo e sua pedra.
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Em “Parkour”, Laura Assis registra a travessia do corpo pelos obstáculos.
Na infância estão os elementos que moldaram o corpo: abandono, deslumbre. Uma criança desamparada que improvisa as manobras em um mundo amplo. Desse improviso, emerge o primeiro deslocamento: da criança para a menina cheia de desejos. Ela abre as portas de casa e encontra um mundo inimigo.
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A bisavó limpava o chão que homens brancos sujavam e, depois dela, toda uma estirpe não viu quase nada além de engrenagens. Mulheres falam baixo e pedem desculpas. Mulheres crescem desaparecendo.
Quando uma mulher anda pelo mundo, ela aprende que precisa se salvar. Laura Assis sabe que a salvação é tramada nas margens, onde todo mundo pisa, mas não sabe do desejo, da fúria, do amor.
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O som dos freios de emergência de um trem é a lembrança de que alguns escolhem aprender as lições de um parkour ao contrário, escolhem não flutuar.
Colocar-se em cima dos trilhos, ouvir as buzinas, esperar.
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Voltar para o inicio é recomeçar sendo outra, mas também a mesma. A infância é uma estrada desativada, um caminho escuro que se aprende a desviar.
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Parkour é sobre isso: um corpo que não se entrega ao precipício. Quando a pedra cai, é hora de recomeçar o percurso.
Uma criança perdida pode desalinhar o mundo.
Mulheres crescem sumindo, o corpo descobre que toda mulher precisa se salvar.
é tão forte: o corpo desalinha o mundo.