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preciso lembrar de tudo

luiza s. vilela

7letras

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sapatos, malas, grampos de cabelo – tudo isso vai desaparecer um dia. luiza vilela é uma museóloga, pronta para recolocar todas as coisas em seu devido lugar. seu “preciso lembrar de tudo” é uma tentativa desesperada de alinhar o passado em uma sequência convincente que trate de dizer quem ela foi nos momentos decisivos de sua vida. abra o álbum ou passeie pelo cubo branco: essa é luiza apagando playlists. essa aqui é luiza mas é julia. essa é luiza lendo poetas inglesas. essa é luiza ouvindo especialistas na pandemia alta. e então você lendo tudo isso.

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exposição aqui vira esse duplo-termo: uma apresentação organizada de uma seleção de itens, um conjunto de objetos dedicados à visitação pública, mas também o período de tempo durante o qual se coloca à luz uma película, a palavra tornada fotografia. luiza vilela cria uma exposição da sua vida – é ela quem expõe, mas também é ela que se expõe. seus antigos relacionamentos, os acontecimentos em família, viagens, festas, sonhos, questões íntimas. sua poesia, porém, tem a forma do registro de fotogramas, um detalhamento excessivo dos objetos de uma casa em guarapari, as coisas no caminho, os barulhos ouvidos na casa ao lado.

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você caminha pelas redes sociais e tudo é um gatilho. você se esbarra com uma selfie de máscara, uma foto do único cômodo em sua casa que pega sol, a planta que você começou a cuidar como forma de se fazer vivo. há três anos, nada disso existia e o último carnaval parece mais distante que isso. veja você há quatro anos, rompendo com metade da família. veja você há cinco anos, celebrando com pessoas que sumiram da sua vida. “preciso lembrar de tudo” mostra como as memórias são ao mesmo tempo importantes e desimportantes, são vestígios de quem você já foi, mas um passado que não importa mais também. luiza vilela olha para um passado recente e vê como as coisas desandam com facilidade, mas também entende demais o apelo da coisa. essa é luiza assistindo de novo o mesmo vídeo.

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cacos, vinhos, taças de cristal no braço do sofá – tudo isso vai desaparecer um dia. luiza vilela precisa lembrar de tudo porque está plenamente ciente do fim do mundo. ela sonha com o apocalipse com frequência e sabe que nada, nem os álbuns, nem o feed, nem os stories, nada vai ser capaz de segurar o triste fim de uma coisa qualquer. só sobra a palavra para se contar a história e, mesmo assim, vão se acumulando incontáveis versões. as mãos tremem, a poeta treme. você consegue entender o desespero de ter uma memória de peixe?