imagine um poema. este poema foi escrito numa ilha, há muito tempo. esse poema enfrentou 1600 anos para chegar até aqui. viajou de barco, viajou pelo tempo, virou poeira. um vaso de cerâmica que cai, uma concha que deixa a coleção de alguém. o que restou desse poema está aqui, agora, em seu ouvido.
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imagine um poema. este poema, escrito numa ilha, há muito tempo, virou a própria ilha. entre um verso e outro, há um espaço vazio. dois colchetes sinalizam um silêncio que agora habita a página. você pode preenchê-lo com sua experiência, você pode preenchê-lo com qualquer ruído, você pode preenchê-lo com mais terra. imagine um poema inteiro. ana martins marques escreve esse seu poema agora.
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imagine um poema. de uma a outra ilha é o que alguém imaginou. uma mistura de palavras antigas, poemas de outras épocas, fragmentos que sobreviveram. mas também matérias da semana passada, atualizações de uma página de viagens, verbetes de uma enciclopédia virtual. a notícia do presente invade o passado, mas, veja só. a ilha permanece ilha. de um colchete ao outro, o silêncio perdura. dizer também pode ser uma forma de expressar o não dito.
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imagine um poema cujo cenário é a ilha grega de lesbos. no passado, lar da grande poeta safo. no presente, um caminho para imigrantes que tentam entrar no continente europeu. desse paralelo, surgem imagens de diferentes temporalidades. as mulheres do passado, os refugiados do agora. um corpo invadindo o mar. o mar devolvendo a violência. uma trágica tentativa de atravessar os colchetes.
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imagine um poema sensível e, justamente por isso, político. ana martins marques leva seu trabalho, de certa poética da intimidade, a outro lugar agora. agora que toda a música de safo se perdeu e as palavras estão em frangalhos, é também dever da poesia estilhaçar a fala. procurar outros métodos. recorrer ao silêncio. sobrepor tantos mapas.