essa coisa ㅤㅤ besta
ㅤㅤ que é também
ㅤㅤ ㅤㅤ tudo que dói
procurando a graça nos romances de victor heringer
tu viu a graça?
vi não, acho que tá na cozinha
quem?
uai, a graça
te perguntou alguma coisa
sea, jana sojka
2022
a b r o aqui um espaço de confissão.
a primeira, confesso estar sob efeito de heringer. a segunda, esse texto [resenha?ensaio?] quase não foi escrito, muito menos publicado. eu havia decidido, no final de maio, por não vomitar de uma vez o O Amor dos Homens Avulsos ¹ ao suspeitar ter encontrado ali a possibilidade de se desvendar algo após um tempo maior de digestão. pois bem!, munido de meses e outras leituras intercaladas, saí de raduan nassar e dostoiévski — que confesso: larguei por ora — com vontade de voltar para meus tempos, Glória ², porque é dito imprescindível ler os clássicos para escrever na contemporaneidade, mas também é dito inconsequente quem vai aos renomados apenas para voltar com o peso de quem recebeu uma mensagem complicada de ser replicada.
é foda.
a ousadia das leituras que tocam sem pedir licença, como cosquinhas embaixo do braço nos entregando ao riso em um dia acordado sem a vontade de gargalhar. quanto mais se lê, mais se complexifica o crochê da literatura: se antes o fio era o simples prazer da leitura, o olhar ranzinza vai ganhando cada vez mais espaço. as referências aumentam, a capacidade crítica também. nos tornamos exigentes na medida em que o desenvolvimento literário nos exige. alguns livros viram batalhas e outros, perda de tempo. aí, do nada, cócegas. O Amor dos Homens Avulsos é isso. duvido de teóricos e críticos literários que não se permitem ao desprevenido, toda a intelectualidade virando escudo e não mais aporte para o bem maior e final que é percorrer os olhos pelas palavras, linha por linha, até terminar uma frase, parágrafo, livro e, finalmente, uau.
advogo pela tentativa estética da narrativa — queer, quem sabe — de victor heringer. a volatilidade formal, as intromissões imagéticas, os artifícios engenhosos que funcionam em sua repetitividade (um deles inclusive feito por leitores) e o vai-e-volta cronológico que corrobora com minha tese pessoal de que antes de homens, somos meninos, alguns melhores de bolas e outros, como eu, ruins até na zaga. e se no futebol as regras delimitadas não impedem o ei, juiz, vai tomar no cú!, o rigor literário também não pode restringir a possibilidade do encanto. ainda tento encontrar a melhor forma de domar meu processo criativo para, enfim, escrever nesse estado limiar entre a sensibilidade desatenta e o hipercuidado estético. em seu último romance, victor heringer se provou capaz de atingir o entre. se eu não consigo entender todas suas escolhas estilísticas, consigo senti-las. e, hoje, isso basta.
penso o livro em cinco verbos:
- tocar
- desistir,
- aconchegar, ³
- suar,
- amar.
um pouco do livro me foi sobre não conseguir deixar para trás. camilo, o menino de muletas com uma perna maior que a outra, é alérgico ao sol e vive seu primeiro amor nas sombras da própria casa. em um dia ensolarado, cosme chega no encalço do pai de camilo e assim as coisas mudam, irretornáveis. camilo e cosme passam a brincar juntos com os moleques da rua, disputam a atenção do patriarca da família e se apaixonam meio sem querer, talvez porque nunca antes na literatura uma bengalada na testa abriu espaço para o amor. desistir de morrer e desistir de viver, ambos são atos de coragem próximos, mas incomparáveis. o último terço do livro é um sacolejo de desistência.
questão 04
a) se a diferença de idade entre raquel e olímpio é de 12 anos, sabendo que olímpio nasceu em 1983, em que ano raquel nasceu?
r: o quão caramélico fica o bico de um beija-flor prestes a morrer de diabetes com tanto açúcar na água?
nota 5/10
resposta certa, mas faltou demonstrar o cálculo na folha de rascunho
As pessoas só podem ser o que são e, afinal de contas, possuir a virtude de quase ter sido outra já era melhor que não possuir virtude alguma.
não sei pensar em gerações — meus pais me tiveram já bem vividos, então minha vez caçula de nascer é na verdade o nascimento em 1999 da mesma leva de primos que já tinha cansado de nascer no final dos anos 80. ¹¹ ainda assim, é típico desse paradigma recente a tentativa de se catalogar-caracterizar-categorizar tudo, o que faz com que a cena literária contemporânea brasileira passe a se retroalimentar por lógicas insuperáveis.
“olha, isso é prosa poética?”
“nunca será a metafísica de clarice!”
“e isso aqui, ironia?”
“cópia barata de machado!”
ufa.
ainda bem que eu não tenho compromisso ¹² com a crítica. acho chato, como criança emburrada e de beiço para fora.
não aceito o elogio por ser novo, não tenho mérito nisso, juventude tem prazo de validade. mas entendo sim que meus dilemas são outros. bensimon, galera e heringer são antes de mim e não é porque um se foi que preciso esperar os outros dois morrerem para admirá-los. foi o daniel galera quem disse imitem sem ter vergonha nenhuma,¹³ eu apenas concordo. a carol bensimon, eu vou ouvir com atenção por doze aulas e [não] te conto depois.
não conheci victor a tempo, apenas sua obra e o que ela e as pessoas têm a dizer.
ainda não conhecia o sentimento de ler contemporâneos póstumos.
conheci esse ano.
por sorte, toda arte é remix.
fui à livraria travessa esses dias com minha mãe. com a quase-ajuda do livreiro, encontrei o Vida Desinteressante e levei o livro até o caixa. “caralho, victor heringer, tá vendo?”. olhei para trás, era o livreiro conversando com outro. não consegui entender, fiquei curioso, mas ao invés de perguntar, voltei para casa, para o glória. tinha algo ali para se desvendar, algum pacto que eu estava comprando parcelado, alguma poesia estendida. fui devorando até pedir pausa.
vivi um final de semana de muita ternura.
e hoje terminei
pensando:
é,
isso aqui dá um mestrado.

lenio carneiro jr
é internacionalista e escritor.
