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O AMOR
É UMA
FRONTEIRA

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎cinco poemas de Nathália Lima

 

se estamos em público
não damos as mãos
mas molhamos os pés
na mesma água

(depois distância tênue
amantes e drink de gengibre
sabem o pulso é mesmo
um bom espião)

nossos dedos em escala
se cumprimentam
como se fossem uma visita
sussurradamente aguardada
num almoço entre famílias
ninguém nessa casa
sorri como antes

cortinas sem tônus muscular
janelas desanimadas

almofadas copos
xícaras solteiras
ferrugem de grampos
todos contam piadas

involuntárias
nem mesmo a faca
nova

mostra os dentes inferiores
para a sobremesa preferida

e porque é nova supomos
ainda não tem preferências

não conhece regras
não sabe servir

alguém nessa casa
pensa algo alegre

o porta-retrato
diante do espelho

apenas o canto
da boca se move

a porta se abre
nenhuma surpresa:

é o frio
mas também o faro
é possível
escrever histórias de amor
com a tinta da granada
para que alguém
encontre no rastro
uma conclusão
mas quem diria hein
o poema mais lírico
contando nos dedos
as sílabas e o deserto
desse amor bélico
tive um grande amor por duas horas
como não quis saber das etiquetas
entramos pela porta sem falar nome nenhum
e entreabrimos coisas íntimas
seu humor jeans vestido veludo
camisa cuja cor esqueci e deixamos
nossos costumes e perguntas caídas ali
sem cerimônias

o diálogo de amor
começa na estrada
ou na noite
tanto faz
porque em ambas
temos
curvas vagalumes
olhos abertos ritmo
fome concentração
então você diz
que me escondo debaixo
de palavras inacessíveis
(poética, democracia, ruína,
mulher, educação, direitos
reprodutivos etc.)
rimos até tossir e de repente
sou um dos tatuzinhos
da tua infância com cheiro
de gasolina
para não atropelarmos o destino
te faço perguntas infantis
pela terceira vez qual é
tua fruta filme ferida favorita
muitos quilômetros depois
você diz que o amor é uma fronteira
e para não dormirmos antes da hora
digo que é uma fruteira
rimos até tossir
e agora
pela décima terceira vez
reencenamos aquela história
quando caímos dentro do fogo
sem respeitar os passos da receita
e por isso queimamos o caramelo
dos pudins

nathália lima
é autora de "Istmo" (urutau, 2023), semifinalista do Prêmio Oceanos. nascida em Barbacena/MG, trabalha como professora na rede pública de ensino em Belo Horizonte. É mestra em estudos literários pela Universidade Federal de Viçosa.

tayná gonçalves
é jornalista multimídia e ilustrou estes poemas