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comunista fdp
leonardo marona

edições garupa

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o que você tem feito desde 2018? diante de todas as radicalizações separatistas e racistas do nosso país, diante de uma produção metódica de caos, de medo, de ódio, diante de uma perversidade que coloca a alteridade como um alvo privilegiado? a impressão que tenho é a de uma vivência com uma ferida aberta. eu vejo gente vivendo desorientada, com raiva, estupefação, de frente a essa violação, desse arrebentamento, da exposição dessa ferida colonial.

não é fácil viver em um brasil desfeito. não é fácil viver em um brasil por fazer.

é esse o ponto que fica da leitura de comunista fdp, de leonardo marona. é um livro sobre um país que parece ter acabado faz tempo – corroído pela tristeza, pela violência, pela paranoia. um país que enterrou até o próprio luto em uma rua escura e larga. de poetas que morrem antes dos 30, de pés em carne viva, de quadrilhas poderosas, balões que escapam da mão de crianças… onde a única forma de não ficar triste é ficando muito puto, até porque toda piada agora evoca um compromisso ético. todo mundo sem nada pra dizer e cansado demais de escutar. somos da américa do sul e nunca soubemos tanto como é ser daqui.

está aqui uma poesia que urge, deste tempo onde se é coagido a recomeçar todas as manhãs, mas que abre mão de um questionar das grandes estruturas para observar com zelo as micropolíticas. de pessoas que se costuram umas às outras, formam alianças. que entendem as dores e delícias de enxergar identidades e diferenças onde geralmente se olham desavenças. é sobre afetos que nos movem pra frente, sobre inventar novos códigos para desarmar a vida fascista.

uma figura recorrente nesses poemas é a alma, uma alma parda, em pânico, sem paz, em desalento, rangendo. apesar disso, mais forte ainda é a experiência do corpo. o corpo talvez seja o lugar ideal para morar a imperfeição e a contradição – este é um livro de sangue, líquido, fluidos e alguma escatologia porque não há vida coletiva sem uma vida corporificada, ainda mais num tempo em que o corpo está sempre em risco. é o corpo que compartilha causas, não é fantasma preso no armário particular.

o que se acumula na leitura dos poemas do leonardo marona é essa sensação de um apocalipse doce porque morremos juntos. o fim do brasil, para quem teve amigos com quem chorar no dia das eleições de 2018, é também uma espécie de adiamento, de tempo em suspensão. é de gente se espreme no expediente, chega exaustos nas horas vagas, mas tem com quem compartilhar um filme, um vinho, uma música. gente que aprende juntos a não perder a ternura enquanto se é destruído.