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25 CARTAS NA MESA DE

WALDSON SOUZA

homem-nao-transbordava

o homem que não transborava
plutão livros

103 páginas

Lenio Carneiro Jr.: Esse é o Cartas na Mesa, um espaço do Leituras para ouvir quem escreve a literatura brasileira contemporânea. Uma conversa em função do tempo sobre escrita, processos de criação e aquilo que ronda o que chamamos de literário.

O Waldson Souza publicou O homem que não transbordava pela Editora Plutão e também Oceanïc e Flumën, livros que compõem uma duologia chamada Cosmópolis, ambos lançados pela Editora Dame Blanche.

De início, Waldson, queria dizer que é muito bom ter você aqui e te ouvir. Gostaria que você começasse então se apresentando pra gente.

Waldson Souza: Obrigado pelo convite, Lenio. Também estou bastante feliz de conversar com você. Além dessas obras que você comentou, eu sou de Brasília. Nasci e cresci aqui. E isso é algo que perpassa minha obra de alguma forma como um lugar importante de enunciação. Além de ser escritor, eu também sou professor da rede pública. Professor de português no ensino médio. E eu também estou fazendo doutorado em Literatura, que inclusive eu pesquiso afrofuturismo na minha tese e isso também reverbera de alguma forma no que eu escrevo. Meu último lançamento foi o Flumën, que faz parte da duologia Cosmópolis — que é um universo futurista, meio distópico, meio utópico, dependendo da cidade e do contexto ali. Mas é um livro onde as cidades são construídas em costas de criaturas gigantes, e aí tem alguns níveis tecnológicos e algumas discussões também.

Lenio Carneiro Jr.: Ótimo, bacana. Tomara que todo mundo tenha a oprtunidade de conhecer seu trabalho, que eu já admiro daqui. Primeira pergunta antes da gente começar o jogo: gostaria que você descrevesse sua mesa de trabalho. Onde você escreve, onde você desenvolve o seu ofício.

Waldson Souza: Minha mesa — inclusive eu tô nela agora, então vai ser fácil de descrever. Estou aqui, no meio da quase-bagunça-não-tão-bagunçada-assim. Minha mesa tem bastante coisa, mas as coisas estão organizadas em cantos que não me atrapalham. Tem um abajur. Tem alguns materiais como canetas. Além de um computador, alguns post-its que eu colo na parede com coisas mais pontuais que eu preciso lembrar. Tem uma foto minha com minha família. Um desenho de uma amiga minha, que é muito importante para mim. Alguns livros — vários que eu tô lendo ao mesmo tempo, então eles ficam meio do lado esperando o momento de eu terminar a leitura. E tem vários cadernos, também. Meu diário e outras cadernetas de anotação para ideias breves. E outros cadenos mais específicos, um caderno só de poesia, que eu geralmente não mostro para ninguém. É basicamente isso. Ela não é muito grande, então isso tudo fica bem perto de mim, então às vezes eu tenho que tirar alguma coisa quando preciso de mais espaço. Mas é isso, em resumo.

LJ: Eu também quero saber se você gosta de jogo de carteado, de jogo baralho. E se gosta, quais jogos você joga? Ou se não gosta, quais carteados te traumatizaram? Tipo: alguém te chamou para jogar truco e você “não, pelo amor de Deus, não”.

WS: Eu gosto bastante. Na escola, eu jogava Yu-Gi-Oh. Então a gente comprava as cartinhas. Eu gostava muito — isso era mais no fundamental. Aí no ensino médio eu fui meio viciado em truco, então teve um momento em que nos intervalos eu e meu grupinho não saíamos da sala para ficar jogando truco. Tem outros, tipo Magic, que eu não conheço mas tenho vontade de aprender. E no geral, são esses. Às vezes eu tiro tarot. Por conta própria, assim. Geralmente eu tiro em um site em que já vem uma leitura. É outra coisa que tenho vontade de conhecer mais, ter um baralho mesmo, físico, e entender mais.

LJ: Legal. Bom, eu tenho aqui um baralho de 52 perguntas. E o seu desafio aqui nessa entrevista é bem simples: responder a maior quantidade de perguntas que você conseguir nesse tempo de 18 minutos. São as mesmas 52 perguntas para todos os entrevistados, mas eu sempre embaralho elas, então elas estão em uma ordem aleatória. E você pode usar ainda dois coringas, para te salvar de 2 perguntas que você acha que ou vai demorar muito tempo ou que você não queira responder.

octavia

escritora octavia butler

kindred

kindred
octavia butler

Qual pergunta você gostaria de fazer à sua escritora ou escritor favorito?

Eu acho que a pergunta que eu faria inclusive para a Octavia Butler, se eu tivesse a chance de conversar com ela, eu teria que ressuscitar ela primeiro, mas a pergunta que eu faria é: como ela organizou dentro dela, dentro da perspectiva dela, do pensamento dela, coisas que seriam importantes e inegociáveis para a obra dela. E como, para ela, foi decidir que ela queria escrever as histórias que ela escrevia e criar os tipos de personagens que ela criava. Seria isso: como foi para ela esse processo de afirmação?

A palavra amplia ou condensa o mundo?

No geral, para mim, acredito que amplia. Mas dependendo de como as palavras são usadas também, isso pode vir em uma forma de reduzir e não permitir outras perspectivas. Acho que no geral, amplia, mas dependendo dos usos que a gente faz, tem como ir por esses dois caminhos — ou de uma redução das narrativas ou de ampliação.

O que te incomoda no mercado literário brasileiro?

Alguns silenciamentos que perduram e um modelo que às vezes eu vejo que está mudando aos poucos em termos de oportunidade para a gente conseguir construir um cenário mais plural e diverso. Isso em vários sentidos, com vários marcadores para a gente pensar em perfis de autores — geográficos, de classe, de raça, gênero. Eu sinto que essa disparidade de oportunidade e a atenção e o incentivo que determinados grupos recebem e outro não é o que mais me incomoda. É algo que a gente percebe que tem mudado aos poucos, mas esse pouco ainda me parece lento.

Caminhar a pé, andar de trem ou voar de avião?

Caminhar a pé.

Literatura salva?

Salva, eu acho que salva, sim. Eu acho que eu não escreveria se eu não acreditasse nisso, na importância e no papel que a literatura tem de salvar as pessoas, porque não só a leitura teve esse aspecto muito essencial de mudar minha perspectiva sobre o mundo e mudar a minha vida também, mas a própria escrita é algo que constantemente me salva. Eu entendo que existem outras questões que são mais materiais e urgentes do que a literatura, mas, para mim, a literatura tem esse papel muito importante, sim. 

Qual livro você gostaria de ter escrito?

Eu gostaria de ter escrito Kindred, da Octavia Butler. Eu sei que eu não teria escrito do mesmo jeito que ela, seria outra história, mas foi um livro que mudou tanto a minha percepção de vida e do que eu pensava sobre ficção científica — do que eu pensava sobre várias coisas, inclusive do poder da escrita de ficção especulativa. Talvez em uma realidadade paralela, eu sentiria essa necessidade de escrevê-lo se já não estivesse pronto. Justamente por conta disso, porque é uma obra muito importante para mim.

beyoncé e frank ocean no estúdio

Tudo é ficção?

Hm, não. Acredito que nem tudo é ficção, mas a ficção tem um desenvolvimento muito importante na nossa sociedade, para o bem e para o mal. Inclusive para controlar narrativas. Mas não. Ainda acredito que algumas verdades existem.

Quais gatilhos te incitam a começar um novo projeto literário?

Às vezes, principalmente algumas temáticas que são mais específicas. Ideias que surgem ou de algo que eu fico ali um tempo pensando, ou algo que eu estou sentindo. Ou às vezes até uma música, que não tem relação com nada que eu estou pensando no momento e vem uma ideia que no início parece muito simples e depois se torna algo maior. Então acho que não só desse lugar de juntar referências minhas, mas também pensando em ideias e temáticas que para mim são importantes e às vezes demora um pouco para pensar como vou abordá-las e depois meio que surge, num estalo.

Nas artes, como separar hobby e trabalho?

Para mim, a escrita de um modo geral é trabalho. Mesmo que você não tenha intenção de publicar ou que você não está muito preocupado com o resultado final, hoje eu encaro a escrita bastante como trabalho. O que eu sinto, até por pesquisar literatura e por dar aula, é manter algumas coisas que são só minhas, sem essa preocupação inclusive de mostrar para as pessoas. Então eu desenho, não muito bem, mas é algo só meu, que eu nunca quero transformar em trabalho. Poesia, também, eu escrevo mas também é uma parte da escrita que eu não costumo mostrar, só para pessoas bem próximas. Mas eu não encaro isso como um dia pensar em publicar poesias. Pode ser que daqui um tempo, quando eu ficar mais confortável com esse tipo de escrita isso aconteça. Mas é isso: é importante separar a intenção com a qual você faz e principalmente como você protege isso para não cair na obrigação de ter que fazer ou desses outros movimentos que pensam muito no resultado final.

Se surgisse o convite para você escrever a biografia de algum ídolo, com direito a todos os bastidores da vida dele ou dela, quem seria?

Se surgisse oportunidade, seria da Beyoncé. Ela nem dá mais entrevista hoje em dia, então isso nunca aconteceria, mas seria dela. Talvez inclusive por conta desse mistério atual que ela mantém. Tem outros artistas que eu acompanho que são muito misteriosos, assim, como o Frank Ocean, por exemplo, que some do mundo. Acho que se surgisse a oportunidade, eu escreveria sim uma biografia da Beyoncé.

menino maluquinho

o menino maluquinho
ziraldo

Álcool, entorpecentes, cafeína ou farmacológicos?

Cafeína, cafeína.

[O que não cabe à literatura?]

Escrever é um ofício solitário?

Não necessariamente. Para mim, alguns momentos são mais solitários. Porque eu sinto essa necessidade de estar ali escrevendo sem mostrar para ninguém, às vezes sem nem comentar a ideia com algumas pessoas. Mas no geral, isso de você compartilhar o que você quer fazer com a história e as personagens… ou mesmo isso, de ter uma primeira versão que você nem gosta tanto e tem lacunas, mas você vai mostrar para alguém que você confia e essa pessoa vai ler para dar um feedback. É importante. Como para mim esses processos de edição e reescrita são tão importantes quanto a primeira escrita, então não tem como ser algo ser solitário por muito tempo. Vai chegar um momento em que você tem que mostrar para alguém.

Acordar mais cedo para escrever ou escrever à noite e postergar o sono?

No geral, eu prefiro escrever de manhã, porque sou uma pessoa que acorda cedo. Só que nem tanto isso acontece, porque eu vou tendo que lidar com outras obrigações que parecem mais urgentes e aí eu acabo deixando para o fim da noite. Mas no cenário ideal, eu prefiro levantar cedo para escrever. Acho que a mente também não está tão cheia.

Como é sua relação com as redes sociais?

É uma relação de conflito, porque se eu pudesse, eu não estaria em nenhuma. Ou estaria, mas usando de outra forma. Perfil trancado, essas coisa. Mas hoje em dia a gente sabe que, como pessoas que escrevem, a gente precisa existir no mundo virtual também. As redes sociais acabam sendo uma forma das pessoas te encontrarem e saberem mais do seu trabalho. E isso gera conflito porque, no meu mundo ideal, escritores não precisariam ser influencers também e se dedicar tanto a essa ideia de produzir conteúdo. Existem formas de lidar com isso, e o conflito é mais nesse aspecto de achar que eu poderia cuidar melhor das minhas redes sociais. Mas de um modo geral, eu entendo também os meus limites. Enfim, de alguma forma, tem dado certo até agora. Em alguns momentos, divulgando as coisas, ou nem tanto, mas é isso: o conflito vem dessa sensação que eu precisaria cuidar melhor das redes sociais, divulgar mais.

Qual o primeiro livro que você lembra de ter lido?

O primeiro livro que eu li foi O menino maluquinho, do Ziraldo. Era uma edição pequenininha, de bolso. Eu tinha uns seis anos e foi o primeiro que eu tenho essa lembrança de ler sozinho. Na época, parecia algo muito grande, que eu não ia terminar nunca. Mas eu começava de novo, lia várias vezes. Era um livro que estava sempre comigo e foi o primeiro que eu terminei sozinho.

“Aspectos e elementos básicos que considero importantes no afrofuturismo: o resgate de mitologias africanas, o desenvolvimento de críticas sociais voltadas para problemas reais do nosso mundo contemporâneo e a construção de uma noção de futuro.”

Trecho da dissertação de mestrado de Waldson Souza

O que você vê da sua janela?

Da minha janela, eu vejo muita vegetação, porque do lado do meu prédio tem tipo um parque, mas é um parque que não terminaram de fazer ainda, então é mais um estacionamento. E muita área verde. É um espaço mais aberto, então não vejo prédios quando olho para fora. Eu gosto disso. Dessa paz que às vezes eu consigo só de olhar pela janela.

O que você faz quando sente dor de cabeça?

Eu tento beber café para passar e descobrir se não era isso que estava faltando no dia. Mas no geral, eu tento me desligar um pouco das coisas. Apagar a luz. Ficar ouvindo música baixinho ou ficar no silêncio só refletindo e esperando a dor de cabeça passar.

Você sente ou já sentiu vergonha de escrever?

Já. Já senti. Hoje em dia, não. Talvez dependendo do que eu estiver escrevendo… Poesia, como eu já mencionei, que aí não necessariamente é vergonha — talvez um pouco de vergonha, sim. Porque eu me sinto muito exposto. Parece que é algo muito mais íntimo do que as outras coisas que eu escrevo, então vem um pouco esse sentimento. Mas no geral, sobre temáticas e personagens que eu escrevo, história que eu escrevo, não. Talvez mais nesse campo da poesia. 

O que é a literatura brasileira contemporânea?

Acho que a literatura brasileira contemporânea são muitas coisas, então é difícil definir. Inclusive, eu fico pensando como lá na frente vão olhar para agora, se for se tornar uma escola literária como essas que a gente estuda, o que a definiria? Porque acho que é muito difícil. A gente chegou em um ponto em que tem muitas perspectivas, muitas vozes que precisam ser ouvidas e muitas coisas diferentes sendo feitas em termos de recurso e estilo. Então, para mim, a literatura brasileira contemporânea é esse universo múltiplo que me deixa muito feliz de poder encontrar diversas coisas diferentes.

Como é sua relação com as editoras que te publicaram?

É uma relação muito boa. Tem um livro meu que vai sair agora, por uma editora maior e tradicional. Até então, eu só publiquei em editoras independentes. E eu sinto que tem coisas positivas nisso, de uma relação mais próxima e de ser ouvido. Eu nunca tive nenhum problema, como por exemplo: mudanças em texto e achar que as sugestões não cabiam; ou ter um impasse muito grande de ter que resolver; ou não me ouvirem com as coisas que para mim eram muito importante manter em termos de discussão e personagens. Então, até então, tem sido uma relação de muito respeito e cuidado. E mesmo agora, com essa editora maior, eu tenho sentido que eles estão abraçando o projeto. Não posso dar muitos detalhes, porque ainda vai ser divulgado, mas eu senti que existe um empenho ali e um esforço para que as coisas aconteçam inclusive de formas que eu não imaginei que aconteceriam. Até então, não tive nenhum problema com as editoras que trabalharam nos meus textos.

Tudo é poesia?

Tudo é poesia, dependendo da forma que a gente utiliza e constrói essa poesia.

A vida é curta?

Eu tenho essa sensação, de que a vida a curta. Talvez porque eu penso muito em tudo que eu gostaria de fazer enquanto eu estiver aqui.

Quais aplicativos, programas ou softwares te ajudam a escrever?

Eu uso bastante o Scrivener, que é tipo um editor de texto que ele permite algumas funcionalidades tipo criar ficha de personagem, mudar capítulo de ordem de um jeito mais fácil. Eu gosto bastante de usar ele em uma primeira versão do texto, depois levo para o Word, quando vou revisar. Tem outros que não são necessariamente de escrita, mas me ajudam muito. Aplicativo de bloquear o celular para você focar e ficar ali, no tempo que você precisa. Eu escrevo ouvindo música, então o Spotify sempre está por perto quando estou escrevendo.

Qual conselho você daria para quem está distante da literatura?

Fico pensando muito nisso, principalmente porque eu trabalho com adolescentes. Às vezes isso de você despertar a leitura em outras pessoas, esse conselho de aproximar é bastante complexo, mas eu diria: dar uma chance e saber que talvez só precise encontrar um livro que faça sentido, uma história que faça sentido para você. E que não surja de um lugar da obrigação de ler. Mas realmente de uma vontade genuína de consumir uma história boa e que te toque de alguma forma.

os grilos que do oitão me chamam
luciano duarte

LJ: Bom, foi isso. 18 minutos. Você respondeu 24 perguntas. Pulou uma com o coringa, tudo certo. E aí, o que você achou da dinâmica?

WS: Foi interessante. Fiquei pensando em quantas perguntas foram, porque perdi as contas. Mas achei legal, inclusive tem algumas perguntas que eu teria elaborado mais, mas como era a ideia também de uma quantidade e tentar responder bastante, então eu senti que eu me equilibrei bem nessa estratégia de algumas só responder mais rápido mesmo.

LJ: Bom, obrigado. Para terminar a nossa pequena — nem tão pequena — entrevista, queria que você recomendasse o último ou um dos últimos livros que você leu, que você gostou e recomenda.

WS: Já que eu falei de poesia, eu vou recomendar Os Grilos que do Oitão Me Chamam, do Luciano Duarte, que eu estou lendo e gostando bastante.

lenio carneiro jr
é pesquisador, designer e escritor.