10 CARTAS NA MESA DE
TÉO PULITI SERSON
e me deixem em paz seus idiotas
editora patuá
98 páginas
Lenio Carneiro Jr.: Esse é o Cartas na Mesa, um espaço do Leituras para ouvir quem escreve a literatura brasileira contemporânea. Uma conversa em função do tempo sobre escrita, processos de criação e aquilo que ronda o que chamamos de literário.
O Téo Puliti Serson publicou o livro de poesias E me deixem em paz seus idiotas no final de 2023, pela Editora Patuá. E também é baixista da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo.
Téo, bem-vindo aqui. Por ter aceitado o convite e pela conversa. Fique muito à vontade, esse espaço é todo seu. De início, eu te passo a palavra pra você se apresentar pra gente da forma como preferir.
Téo Serson: Obrigado, Lenio, obrigado pelo convite. É uma delícia estar aqui. Eu sou o Téo, como o Lenio disse. Eu escrevo poesia. Eu toco na banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo. E eu estudo filosofia também. Acho que são essas as três áreas principais em que eu atuo.
Lenio Carneiro Jr.: Então pra começar: você sendo músico, escritor e filósofo né…
Téo Serson: Estudante de filosofia! Filósofo é um pouco pesado.
Lenio Carneiro Jr.: Estudante de filosofia. Tá, pode ser, melhor. Para você descrever para a gente como é a sua mesa de trabalho, ou seu sofá, ou seu estúdio. Onde você mais cria, digamos assim.
Téo Serson: Normalmente eu escrevo no quarto mesmo. Na minha escrivaninha. Agora, não é sempre que é possível, né? Ainda mais tocando muitas vezes, eu acabo viajando para tocar, então às vezes tem que escrever nas notas do celular, no guardanapo, onde dá. Principalmente viajando. Mas de preferência eu gosto muito de escrever na minha mesa. Eu já ouvi muitas pessoas falando de um processo um pouco de humanizar a escrita, né? Então pensar que você não precisa estar lá no seu gabinete de trabalho, com uma roupa bonita que aí você pode escrever de bermuda, você pode escrever em qualquer lugar. Mas eu, nas condições ideais, porque é isso, né, às vezes eu tô escrevendo no guardanapo, no ônibus, viajando. Totalmente nesse esquema mais desidealizado. Mas me esquema de trabalho ideal é: no quarto, na escrivaninha, no gabinete de trabalho. E eu gosto muito de me vestir bem para escrever, isso que eu queria dizer. Diferente desses papos que eu acho muito legais também — escrever de bermuda, de qualquer jeito. Mas eu gosto de vestir uma camisa, eu gosto de colocar uma gravata para escrever sozinho no quarto mesmo. É mais provável você me encontrar bem vestido sozinho no quarto mesmo. Mais provável você me encontrar bem vestido sozinho no quarto pra ecrever que andando na rua, porque andando na rua eu uso uma camiseta normal. Às vezes fica até meio esquisito ficar andando muito arrumado, mas eu gosto de me arrumar muito para escrever. É uma curiosidade.
LJ: Legal, ficar apresentado, no requinte para escrever. Legal isso. E na sua mesa? Tem alguma coisa diferente? Sobre o espaço, se tem algo que geralmente acompanha, seja um caderno, se tem uma luz acesa. Enfim, o que for.
TS: Normalmente, a minha mesa é muito bagunçada, porque eu sou uma pessoa um pouco bagunçada então às vezes a mesa, o próprio quarto vira um certo furacão ao redor da página em branco, digamos assim. Mas muito também porque eu me inspiro muito para escrever lendo. E muitas vezes eu tô escrevendo um poema, daí eu lembro de um verso de um livro, daí eu pego, abro um livro. Então quer dizer, tem uma constelação de livros que vai orbitando a mesa e a página. E outros objetos e artefatos também, mas eu diria que muitas vezes tem muitos livros ao redor. E daí abre o livro, coloca o livro em cima do outro, aí fica aquela pilha… aqueles livros enormes em cima de um livro pequeno, quase caindo, meio bambeando.
LJ: Meio jenga.
TS: Meio jenga, totalmente. Mas normalmente nada especial. A não ser que minha mesa é meio bagunçada e talvez os elementos principais dessa bagunça são os livros que eu também vou consultando justamente no processo de escrever.
ludwig wittgenstein
homo ludens
johan huizinga
LJ: E sobre baralho? Queria saber se você gosta de jogar baralho, se joga com a família, com amigos ou se foge assim, não é uma coisa que curte, como é que é?
TS: Cara, eu não sou muito do baralho não. Não só do baralho, como de jogos de uma maneira geral. Eu acho muito interessante a ideia dos jogos. Por exemplo, na filosofia tem um filósofo que eu gosto muito que é o Wittgenstein, que ele fala dos jogos de linguagem. Pensa a própria linguagem como jogo. Então assim, eu acho filosoficamente muito interessante os jogos. O baralho né? Poeticamente, dá muito pano pra manga, mas jogar jogar mesmo, eu não gosto muito, nem de baralho nem de jogos de uma maneira geral. Só os jogos de linguagem mesmo.
LJ: Na academia eu gosto também do Huizinga, tem o Homo Ludens, também sobre a questão filosofia, jogo e arte . Também me interessa bastante, além de jogar.
TS: Você gosta de jogar?
LJ Bom… gosto. Tanto que tamo aqui propondo jogos. Eu tenho aqui um baralho de 52 perguntas e a dinâmica do Cartas na Mesa é simples: você responde a maior quantidade de perguntas que conseguir num tempo de 18 minutos. Eu embaralhei as perguntas, né? Então elas estão numa ordem aleatória. E você pode usar ainda dois coringas para você pular duas perguntas que ou não queira responder ou acha que vai demorar muito tempo. Então vamos lá.
Aemulatio: emulação; empenho em igualar-se a outro em alguma coisa; ambição; competição.
haroldo de campos e augusto de campos
t. s. elliot
ezra pound
Seus pais são leitores?
Sim. O meu pai e minha mãe gostam bastante de ler, embora nenhum deles seja particularmente muito ligado em poesia. Eu acho que eles gostam de uma maneira geral de livros, mas eu diria que talvez ou mais romances ou mais livros teóricos. Minha mãe é psicanalista, então ela gosta muito de ler sobre psicanálise. Meu pai gosta de ler sobre filosofia grega e uns assuntos muito específicos de filosofia grega. Mas poesia, não muito. Poesia foi um troço mais meu, que eu descobri, fui me apaixonando sozinho.
Como é sua relação com as redes sociais?
Não, pessoalmente é um caso, acho que como todas as pessoas. Acho que as redes sociais são coisas que acabam mexendo muito mais do que a gente imagina com os nossos sentimentos, com a nossa subjetividade. Então é um troço que é amor e ódio e dor e prazer, tudo junto, né? Tudo que envolve as nossas relações subjetivas conflituosas.
Mas no sentido mais da literatura, eu acho que é muito de idas e vindas. Eu já tive muitos momentos na vida em que eu me empenhei em compartilhar muitos textos, seja no Facebook, quando as pessoas ainda usavam o Facebook, seja no Instagram. E momentos em que eu passei anos sem compartilhar, sabe? E em momentos muito pontuais, às vezes tem três meses que eu não paro de compartilhar poema. Depois eu apago quase tudo e passo, sei lá, um ano sem compartilhar nada ou compartilhando um poema muito específico que eu achei que tinha a ver. Então é bem inconstante, eu diria.
Embora outra coisa que eu acho interessante sobre essa relação… Isso mais recentemente na vida, né? No começo não muito. Mas nos últimos anos para cá, eu comecei a descobrir que as redes sociais podem ser um lugar muito interessante de ler poesia também. E isso é uma coisa que eu não fazia muito, salve de um outro amigo ou amiga que compartilhavam, mas aí eu fui me ligando mais em acompanhar.
E de alguma forma também fui me interando da literatura contemporânea brasileira muito também (parece feio dizer assim, mas é verdade). Eu acho que eu fui entrando muito na literatura contemporânea brasileira através do Instagram, através de certas páginas específicas, a própria Leituras é uma delas. Mas também de editores ou de poetas, mas fui meio montando uma constelação de coisas que me interessavam, sejam poetas, sejam revistas, sejam páginas mesmo. E é um processo muito legal, eu acho que eu descobri muita coisa nova que eu não conheceria de outro jeito, se não fosse pelo Instagram.
Embora também é um pouco perigoso, né? Porque daí você vai indo, indo, indo e uma hora você fala “não, deixa eu voltar a ler os livros”. Porque senão você acaba lendo meio rápido, né? Não é o lugar mais ideal para a leitura, mas ao mesmo tempo te dá acesso a conhecer certos repertórios que não são tão óbvios de chegar por outros caminhos. Por serem muito atuais, né? Muito que tá acontecendo agora, o que tal escritor está escrevendo nesse exato momento. Então tem prós e contras.
Nas artes, como separar hobby e trabalho?
Complexíssimo, complexíssimo. Eu diria que principalmente na poesia isso é muito complexo. Porque é muito difícil se profissionalizar na poesia. Eu acho que é muito raro, eu não sei se é possível viver de escrever poesia; dos poemas que você escreve. Então dá uma sensação de… Eu escrevo bastante em termos de quantidade, mesmo que seja só como um treino, não é tudo que eu escrevo que necessariamente eu vá publicar, mas para estar sempre escrevendo, para estar sempre trabalhando, porque no fundo escrever é um trabalho, né? Só que é complexo, porque você sente que está no fundo fazendo um hobby quando você tá trabalhando. O que é ruim porque você não tem a sensação de “pô, tô trabalhando e isso é um trabalho”, digamos assim. A realização de estar trabalhando. A própria legitimação — acho que essa é uma boa palavra — de que isso é um trabalho.
Diferente por exemplo da música, que é uma coisa que existe, por mais difícil do que seja, uma possibilidade de profissionalização maior. Então hoje em dia quando eu tô trabalhando com música, eu sinto que eu tô trabalhando com música, às vezes porque eu ganho dinheiro — não muito dinheiro, longe disso. Mas tipo, você ganha alguma coisa, sabe? E isso já dá uma sensação de “pô, isso é um trabalho”. Acho que a existência social da música é uma coisa muito mais difundida, então tem muito mais público, né? Pessoas que ouvem música, pessoas que curtem música, que conversam sobre música. Você sente que é uma coisa que existe no mundo.
É muito complexo isso da poesia: de por um lado você trabalhar muito, porque poesia não só é um trabalho como dá muito trabalho. Ainda mais se você querer escrever sério, querer tentar escrever bem, querer ler de uma forma pesquisando… dá muito trabalho! E sentir que isso não é um trabalho. E sentir que quando você não tá trabalhando na verdade você tá só “curtindo” ou fazendo hobby é muito desestimulante, então você tem que estar sempre lutando contra, sempre falando “não, isso daqui é um trabalho”, seja lendo, pesquisando, seja efetivamente escrevendo, experimentando.
Por outro lado, eu acho que até ter publicado um livro foi algo que me acalmou um pouco, nesse sentido de falar, “pô, as pessoas leram os meus poemas”, porque acho que é muito perigoso, na poesia, isso de ficar muito dentro do quarto, na gaveta e na sua própria cabeça. Então é complexo nesse sentido que eu disse, de que eu acho que a poesia é uma coisa que tem uma existência social muito restrita. Poucas pessoas gostam de poesia; poucas pessoas leem poesia; conversam poesia. E tem uma dificuldade de profissionalização que é muito complexa. Você trabalha que nem um maluco e parece que você é um vagabundo. E isso é uma sensação muito amarga e muito terrível que eu acho que todo mundo que escreve, de uma forma ou de outra, sente, porque não ganha a vida escrevendo. Muito difícil, pelo menos quase impossível.
Se surgisse o convite para você escrever a biografia de algum ídolo, com direito a todos os bastidores da vida dele ou dela, quem seria?
Não vai ser nenhuma muito interessante. Acho que eu diria o Haroldo de Campos, por ser alguém que eu curto muito. Não tanto pelas fofocas, até porque ele deve ter uma vida meio parada nesse sentido, né? Não é esse o campo. Mas eu acho que muito para entender como ele foi… menos nesse sentido de uma biografia tão pessoal, e mais uma biografia intelectual, talvez poética, porque me interessa muito como ele foi articulando na vida dele a criação e a reflexão. Ele é alguém que criou muito, que produziu muito e ao mesmo tempo que pensou muito sobre a poesia; sobre o que ele tava escrevendo. Eu gostaria muito de investigar a fundo como que foi se dando essa relação entre criação e reflexão na obra dele, porque é algo que me inspira muito.
Existe originalidade?
Não. Não existe. Existe autenticidade, isso existe, mas originalidade, não.
Por motivos relativamente óbvios. Eu acho que a gente sempre cria a partir de repertórios. Eu acho que a própria criação — a ideia de criação, embora a palavra seja um pouco capciosa — é a capacidade de articular esses repertórios. É muito curioso porque mesmo se for pensar historicamente, a ideia de originalidade é uma ideia muito moderna. Romântica, inclusive. É uma ideia muito interessante. Muita boa literatura já foi escrita a partir dessa ideia de originalidade. Muita péssima literatura também já foi escrita a partir é dessa ideia. Mas no mínimo é muito interessante se libertar um pouco dela. No sentido, por exemplo, quando você pensa na poesia grega, na poesia romana. Como a ideia de aemulatio, que é a ideia de imitação, era uma ideia muito forte. Por exemplo, as narrativas na literatura grega eram de domínio público, todo mundo conhecia já aquelas histórias. Então a graça no fundo não é você estar inventando uma história nova, mas é como você faz a coisa.
E é interessante você pensar poetas na modernidade que também se abrem pra isso. Eu curto muito o T.S. Elliot, o Ezra Pound por causa disso, né? Porque eles assumem esse processo explicitamente de “olha, eu estou copiando ou imitando, recriando, traduzindo”. Os próprios irmãos Campos. Acho que muitos no campo da tradução reivindicam isso, então é algo que me interessa muito. E é algo que no Idiotas, se você for parar para olhar, tem muita referência e é muito um trabalho de manipulação de texto. Claro, tem outros projetos não publicados que eu acho que isso é muito mais radical, que é realmente um trabalho com intertextualidade, colagens, mais profundo. O Idiotas ainda tem uma coisa de ser uma linguagem mais direta, uma poesia de matemática mais pessoal, mas mesmo assim tem de tudo. Tem desde punk rock até Homero — estão lá no idiotas. Que é um livro que ainda se propõe a ser um livro mais direto, mais simples, não é uma grande viagem com intertextualidade nem nada, mas ela tá aí porque mesmo sendo um livro com uma temática mais pessoal, que é uma temática que cada vez mais, em outros projetos que eu venho trabalhando já há alguns anos ou estou começando a trabalhar agora, me interessa cada vez mais me afastar dessa temática pessoal. Mesmo quando a intenção é dizer o Eu, o Eu só se diz através da cultura. Da linguagem. Desses signos compartilhados e daí quando neste livro eu proponho a dizer calma, quem sou eu, o que eu to sentindo, acabo indo pro Homero e pro rock, duas referências meio díspares. E muita coisa no meio disso, claro.
um útero é do tamanho de um punho
angélica freitas
Quais aplicativos, programas ou softwares te ajudam a escrever?
Eu gosto muito de escrever à mão. Não sei porque, mas eu gosto. Então como eu disse, às vezes eu tô lá e uso as notas do celular para escrever, mas tudo que eu escrevo nas notas do celular depois eu vou passar pro papel. É até curioso, porque geralmente se escreve no papel e depois passar no computador. E depois tem que fazer esse trabalho também! Então é um triplo trabalho.
Mas eu gosto de eu gosto de segurar. Antes, quando eu era adolescente, eu gostava de escrever em caderno. Hoje em dia eu gosto de escrever em folha sulfite pelo tamanho dela mesmo, sabe? Daí você pode ver as coisas no espaço. A primeira tecnologia é o papel mesmo. A folha sulfite e a caneta BIC são como eu escrevo. E daí fica, claro, acabo usando o Word, mas nada muito específico. Só às vezes postar um poema no Instagram, às vezes passar ali pro do Docs, né? As notas do celular.
A não ser em poemas muito específicos. Tem um poema de um livro que eu tô trabalhando, mas que não que não tá pronto ainda, que ele é inspirado num procedimento que Angélica Freitas faz no poema do Um útero é do tamanho e um punho, que é escrever um poema a partir de sugestões automáticas do Google. Então quer dizer: você pega uma palavra e deixa o Google completar, que no fundo o Google tá algoritmicamente só reproduzindo o que as pessoas pesquisaram nele, então o interesse das pessoas. Você escreve a partir do que as pessoas perguntaram. Enfim, um procedimento muito pontual, embora a ideia em si é muito interessante. É que eu sou um cara muito ruim com tecnologia, essa é verdade. Mas eu acho interessante essas intersecções, embora eu ainda sou um grande fã da folha sulfite e da caneta pequena, meu softwares preferidos.
sophia chablau
Para quem você mostra um livro pronto primeiro?
Para os meus amigos e amigas. Eu só tive um livro pronto, então eu posso falar dele. Mas eu mostrei para a Sophia assim que ficou pronto. A Sophia foi alguém muito impoante para esse livro em específico. Por vários motivos.
Tem um poema longo, mas entrecortado ao longo do livro, que ele dividido em 5 partes que atravessam o livro. E é dedicado para ela. Tem outros poemas para ela nesse livro. E mesmo em termos de linguagem, acho que ela é alguém que além de ser minha melhor amiga é alguém que me inspira muito na vida. Seja a escrever, seja a ter coragem de escrever. Mas também a publicar. Acho que nesse livro especificamente ela foi muito importante, além de ter inspirado muito, por ter me dado muita força para publicar. Eu tinha muita dúvida de lançar esse livro, porque como eu disse eu já tava trabalhando em outros projetos, outras temáticas digamos assim menos subjetivas, um pouco mais ambiciosos, experimetais por algum lado. Não sei se são as melhores palavras para descrever, mas enfim. E eu achava “pô, esse livro tem poemas bons, tem poemas legais, mas não tem nenhuma proposta, nenhuma ideia de literatura”. E ela veio e falou “Téo, esse livro é legal. Ele é bacana. É um livro jovem, você é jovem agora, publica ele agora que depois um dia você não vai mais ser jovem e vai poder fazer seus livros malucos, viajando na linguagem. Ele é um registro também de quem você é. Não só quem eu sou, mas como poeta e da sua trajetória de aprender a escrever poesia.” Então ela foi alguém que me deu muita força para publicar ese livro em particular. Ela gosta muito desse livro e me inspirou e me estimulou muito a publicar ele. Mas de uma maneira geral, de publicar. Por mais que eu tenha uma banda e isso tem a ver com se colocar pro público, sou uma pessoa mais tímida nesse sentido. Eu gosto mais de ficar lá no gabinete de trabalho, com os poemas dentro da gaveta. Então acho que ela foi alguém que me deu muita força para eu publicar esse livro.
Você tem medo da morte?
Cara, eu ando ficando mais medo da morte, mas eu acho que é bom isso. Eu acho que eu tinha uma certa onipotência, uma certa negação. Eu tinha muito medo da vida, no sentido que viver é tão difícil, tem que dar conta de tanta coisa e é tanto sofrimento. E eu sempre pensei: a morte você para de sofrer, você para de sentir. Então a morte nunca me assustou muito, eu sempre tinha medo de que as coisas dessem errado na vida; de sofrer em vida. Mas hoje em dia eu também ando gostando tanto de viver que eu fico tipo pô, mesmo que eu não vá sofrer morrendo, eu vou parar de viver e por mais que viver também é sofrer, no fundo é porque viver é desejar; e desejar um pouco sofrer. Então acho que a questão é o que você diz para isso, para a vida, que é desejo, que é sofrimento, se você diz sim ou diz não. E eu digo sim, quer dizer, eu gosto muito de viver e desejar e significa também sofrer. Eu não queria parar de sofrer. Então se eu tinha medo de sofrer, hoje em dia eu não quero parar de sofrer porque parar de sofrer significa parar de viver, parar de desejar, parar de estar aqui vivo. Então hoje em dia eu fui adquirindo um medo de não mais viver e o que significa também não mais sofrer. Talvez menos medo de sofrer, mas mais medo de morrer.
Tudo é ficção?
Claro, evidentemente.
O que faz um livro ser bom?
Bom, tem uma pergunta anterior que é: o que faz um poema ser bom? Porque daí um livro eu acho que tem alguns detalhes a mais. Vou dizer o que eu particularmente valorizo.
Eu acho que um poema para ser bom ele tem que ser interessante, ele tem que ser desafiante de alguma forma, complexo de alguma forma. Ao mesmo tempo que acho que não dá para fugir, né. A ideia de conndensação é uma ideia inerente à poesia. Eu acho que um bom poema é aquele que consegue trazer o máximo de contradições e informações diferentes e por vezes opostas. E sintetizar num mesmo signo.
Então quer dizer, eu acho que o que faz muitas vezes um poema ser bom é a capacidade dele de dizer o máximo possível com o mínimo possível de signos. Então acho que é isso. A ideia de condensação. A ideia de complexidade. Eu acho que no livro a coisa é um pouco mais específica, no sentido de que um livro tem que achar uma espécie de arco, tem que construir um certo mundo. Acho que um bom livro é um livro que consegue ser um universo, consegue ser um mundo mais ou menos coerente. Daí se for um mundo interessante; um mundo poético interessante, é um mundo composto de bons poemas. Poemas que justamente têm uma complexidade, uma beleza, por que não? Uma inteligência, uma capacidade também de subversão de alguma forma ou de outra. Várias coisas.
odisseia
homero
tradução de trajano vieira
editora 34
LJ: Foram 18 minutos. Passou rápido, né?
TS: Passou rápido. É pouco tempo mesmo.
LJ: É pouco tempo e as perguntas não são fáceis, eu reconheço, de desenvolvimento, de ter muita coisa para falar em todas elas.
TS: Nossa, dá pra passar 18 minutos em cada uma delas.
LJ: Com certeza, com certeza. Mas também a ideia do jogo é um pouco essa… dizem que escritores são prolixos.
TS: É. Eu confirmei a regra.
LJ: Legal. O jogo terminou e para terminar eu acho que cabe fazer uma pergunta específica. Esse seu lugar específico entre a música, entra poesia e também entre a filosofia — acho que entra também como um espaço de pensar o mundo e de criação, como você falou — onde que você sente que você se apoia mais? Onde que você acha que é mais o seu lugar?
TS: Eu acho que a poesia acima de tudo. Porque por um lado tem aquela definição quase clichê de poesia, que a poesia é esse intervalo entre o som e o sentido. Eu acho que na música é um aprofundamento no som e aí por extensão na forma, na ideia de arte ligada à forma, enquanto eu acho que a filosofia é o aprofundamento nessa questão do sentido. Para usar esse paraconceitual um pouco gasto, mais do conteúdo. Então eu acho que estudando filosofia eu me aprofundo no som e na música eu me aprofundo no conteúdo e na forma, mas o que eu gosto da poesia é que lá tem som e tem sentido. Tem conteúdo e tem forma. E principalmente tem essa relação indissociável entre ambos, entre forma e conteudo, entre som e sentido. Eu vou para a filosofia, eu vou para a música, que inclusive são duas atividades que tem uma existência social, inclusive profissional maior, então você consegue trabalhar enquanto músico, por mais difícil que seja, você consegue ser um pesquisador em filosofia, ser um professor em filosofia, por mais difícil também que o seja. E bebo nessas fontas e trago para a poesia que é minha grande paixão na vida. E infelizmente algo que não dá para viver profissionalmente disso, mas é meu grande sonho, minha grande paixão, é a minha vida.
LJ: Bonito. E para finalizar, indica para a gente um livro aí.
TS: Vou ser um pouco teimoso com a contemporaneidade. Vou indicar um livro que é o livro mais clichê de todos, mas é por causa da tradução. Foi o livro que eu passei esses últimos tempos lendo, estudando bastante — estudando no sentido poético mesmo, de verso, de assonância, de alieração, inversões sintáticas, invenção de palavra. Foi algo que no plano da linguagem me impressionou muito, que é a tradução do Trajano Vieira da Odisseia. Odisseia, enfim, talvez o poema mais conhecido do ocidente, mas a tradução dele é algo que me impressionou muito. Eu nunca tinha tido essa oportunidade e quem gosta de poesia eu recomento muito que é você ler um poema que tem sei lá quantos mil versos em uma mesma métrica. Isso é uma coisa que ainda mais hoje em dia, que cada vez menos se liga para a métrica, e até para a forma de uma maneira geral. Digo assim, pro verso nesse sentido mais tradicional. Cada vez mais isso não é uma preocupação que acho que tá muito no horizonte teórico, crítico, prático da poesia contemporânea. E isso faz que às vezes a gente esqueça o que é a poesia. Claro que a poesia não é métrica, não é só o verso nesse sentido tradicional, mas você parar e você ler um poema de não sei quantos mil versos em dodecasílabos, em uma métrica só, você entende a força do que que é poesia. Inclusive nessa relação complexa que poesia tem haver com condensação, com síntese, ao mesmo tempo que os escritores tendem a ser prolixos. Aí é um bom exemplo. É um poema imenso. Então quando a gente diz condensação não quer dizer escrever poemas minimalistas, necessarimanetes. Mas é um poema imenso que versa sobre um monte de coisa e ainda assim tem uma preocupação com a condensação. Por ser um poema metrificado, você vê o papel da métrica em frear a incontinência verbal. Lá tá tudo preciso. Enfim, é muito interessante. É uma indicação anticontemporânea. Quase uma provocação para a poesia contemporânea de ler um poema imenso em uma mesma métrica e o quanto a experiência é intensa, deslumbrante e extraordinária. E isso ensina muito sobre o que é poesia para além de parâmetros e lugares comum.