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44 CARTAS NA MESA DE

LUIZA CASANOVA

curioso

é curioso que chamem isso de intimidade
7letras

132 páginas

talvez

talvez nós dois tenhamos pensado na mesma pessoa
7letras

107 páginas

Lenio Carneiro Jr.: Esse é o Cartas na mesa, um espaço do Leituras para ouvir quem escreve a literatura brasileira contemporânea. Uma conversa em função do tempo sobre escrita, processos de criação e aquilo que ronda o que chamamos de literário.

A Luiza Casanova publicou os livros de poesia É curioso que chamem isso de intimidade e também Talvez nós dois tenhamos pensado na mesma pessoa, esse em coautoria com Davi Koteck, ambos lançados pela editora 7letras. Publicou, ainda, a novela Tempo embalado para apodrecer, pela editora cartoneira Maria Papelão.

Luiza, bem-vinda. Muito bom estar aqui e conversar com você. Fique muito à vontade. De início, eu quero passar a palavra para você se apresentar aqui para a gente como você preferir.

Luiza Casanova: Oi, Lenio. Primeiro, eu queria agradecer pelo convite. É muito legal estar aqui falando contigo, principalmente porque a gente se conheceu em função do livro; da literatura. Eu não te conhecia e de repente apareceu uma resenha que eu considero a resenha mais bonita que foi feita para o Talvez nós dois tenhamos pensado na mesma pessoa. E daí disso surgiu muitas conversas e até um encontro sem querer, em Porto Alegre, no Justo. E depois a gente já começou a se trocar os nossos livros, então muito obrigada. 

Lenio Carneiro Jr.: Nah, eu que agradeço tudo.

Luiza Casanova: Então, eu sou a Luiza Casanova. Eu sou, hoje, poeta e professora. Moro em Santa Maria, atualmente, mas eu nasci no interior do interior do Rio Grande do Sul, em uma cidade chamada Caçapava do Sul, mas já moro aqui em Santa Maria quase a mais tempo do que eu não moro, então eu sou quase uma santamariense.

LJ: Bom, daqui eu estou vendo muitos livros aí atrás de você. Mas como nem todo mundo que está ouvindo, está vendo, eu queria que você descrevesse onde você escreve; onde você faz o seu trabalho de poeta.

LC: Então, eu moro em um apartamento super pequeno. E o meu lugar dos livros e do trabalho teve que ser construído numa coisa que chama dente, na arquitetura.

LJ: Dente?

LC: Dente! Olha só que curioso. Depois a gente volta para falar disso. Que é uma espécie de um quadrado embutido. Então onde eu tô agora, os meus livros estão na minha frente, não nas minhas costas. Aqui nas costas, tem uma porta e um pouquinho de livros que tiveram de ser colocados assim, apertadinhos. O Talvez nós dois tenhamos pensado na mesma pessoa foi escrito aqui. Principalmente porque eu escrevi ele junto com o Davi, então a gente acabava tendo muitas reuniões por vídeo, então precisava da mesa e eu escrevia aqui. Mas o É curioso que chamem isso de intimidade eu escrevi a maior parte dele na sala, no sofá, então não foi uma mesa de trabalho. Então aqui nessa mesa, o que eu mais vejo é, por um lado, livros, e por outro lado, pilhas e pilhas de provas de adolescentes da escola para corrigir.

LJ: Legal, boa mistura de informações. Fiquei curioso sobre o dente, é como se fosse um mini cubículo? Um mini gabinete?

LC: É, é entre duas vigas — pode ser que estou falando bobagem, talvez. Mas acho que é um quadrado embutido entre duas vigas. 

LJ: Não conhecia o termo.

LC: Ou talvez eu tenha inventado esse nome só pra ficar mais bonito.

LJ: Ah, mas acho que é isso aí. Tem coisas que eu não saberia, então é bom descobrir tudo. E queria saber, também, se você gosta de jogar baralho, se jogava baralho com sua família, se joga em um barzinho, como que é a sua relação com carteado.

LC: Eu só sei jogar pife e truco. Mas eu não sou uma ótima jogadora. No pife, eu jogo porque convidam e daí faltam um e eu sou quase o que sobra, o último a ser escolhido. E o truco eu jogo direitinho. E tem uma curiosidade: que eu nunca fui de jogar truco, mas é uma prática muito comum na escola, né, mas não quando eu era aluna, as hoje eu sendo professora. Então as vezes sobra uns minutinhos da aula e eles falam assim: ah, vamo jogar trudo. Daí eu libero dez minutinhos pra jogar truco e acabo entrando em algum time. Então eu jogo esse truco escolar.

LJ: Ah, legal, dá pra valer uma nota.

LC: Ah não, aí não.

LJ: Bom, então agora a gente vai jogar. Eu tenho aqui um baralho de 52 perguntas e a dinâmica do Cartas na Mesa é simples: você responde a maior quantidade de perguntas que conseguir no tempo de 18 minutos. Eu embaralhei as perguntas, então elas estão em uma ordem aleatória. Você pode usar ainda dois coringas, para pular até duas perguntas que ou não queira responder ou acha que vai demorar muito tempo.

davi

escritor davi koteck

longe da agua

longe da água
michel laub

Quando você sabe que terminou de escrever um livro?

Nossa, eu vou perder esse jogo, eu tenho certeza. No Talvez, em algum momento, eu e o Davi tivemos que dizer assim ó: chega, acho que a gente vai ter que escrever outro livro, cada um escreve o seu depois, ou a gente faz outra coisa, porque senão a gente vai ficar aqui a vida toda. Daí a gente deu um basta ali. E no último, no É curioso que chamem isso de intimidade, eu tinha fechado o livro já e eu mandei uma mensagem para o Jorge, meu editor, dizendo: Jorge, será que eu posso colocar só mais um poema? Daí aquele foi o final, a imagem final que eu vi e que eu escrevi um poema foi eu quis escrever outro poema, daí ele funcionou como último poema. Mas eu sempre vou postergando esse final. Eu sempre acho que dá para escrever mais um.

Qual sua personagem favorita?

Eu sempre fui uma grande leitora da narrativa, mas tem um tempo que eu abandonei um pouco a narrativa e eu leio bem menos narrativa e leio bem mais poesia, mas eu gosto muito do Jaime, do Longe da água, do Michel Laub.

nanni

jornalista nanni rios

Qual pergunta você gostaria de fazer à sua escritora ou escritor favorito?

Eu queria perguntar quais são as imagens do mundo que mais impressionam essas pessoas a ponto de escreverem um livro.

Você sente ou já sentiu vergonha de escrever?

De escrever, não. Mas já senti vergonha de coisas que eu escrevi, principalmente as primeiras coisas que eu escrevia, eu sinto vergonha e até as escondo.

[O que não cabe à literatura?]

Qual seu pecado predileto?

Gula.

O que você faz quando sente dor de cabeça?

Sinto pouco, mas tomo remédio. Acho que Paracetamol.

Caminhar a pé, andar de trem ou voar de avião?

Caminhar a pé. Em Santa Maria é um pouco difícil, que é uma cidade assim: lomba, só lomba, só subida, não tem descida, parece que só sobe. Mas caminhar.

Tudo é poesia?

Não. Tudo pode virar poesia, mas acho que em si só, por natureza, eu acho que nem tudo é poesia. Eu acho que pode ser poesia, mas não é. Não nasce poesia.

Qual medo você já teve, e hoje não tem mais?

De desagradar pessoas que eu amo ou que me amam.

Qual sua pessoa favorita?

Ah, eu tenho uma pessoa favorita no mundo, que a gente brinca muito sobre isso, eu repito essa frase, que é a Nanni Rios. Que é jornalisa, livreira, DJ. E sem ela, esse livro, É curioso que chamem isso de intimidade, não existiria, então ela é minha pessoa favorita.

mortesemnome

a morte sem nome
santiago nazarian

Nas artes, como separar hobby e trabalho?

Hoje, eu vejo isso como trabalho, mas é assim… muita análise, né, porque foi bem curioso a primeira vez que eu ouvi alguém me chamar de poeta e isso foi um susto. Porque até então eu sempre fui professora ou sempre tinha alguma outra coisa para ser chamada, mas poeta foi bem assustador quando eu fui chamada. Hoje eu vejo o que eu faço como trabalho e diferente de hobby, porque eu tenho hobby para descansar, assistir vídeos sem graça no Youtube. Então o que eu faço relacionado a arte, hoje eu vejo como meu trabalho.

Você escreve cenas de sexo?

Sim. Acho que nesse último livro aconteceu muito isso, embora nem toda cena precise ser explícita. Eu acho que a imagem dá conta de um monte de coisa, a metáfora tá aí para a gente usar. Mas sim, escrevo.

Existe originalidade?

Existe.

Quando você começou a levar a escrita a sério?

Quando eu fiz a oficina de escrita criativa do Assis Brasil, na PUC, em Porto Alegre. Eu sempre escrevia antes, e o primeiro livro, esse que tu citou, a novela, eu escrevi antes da oficina e já tinha escrito algumas coisas. Mas ali na oficina eu comecei a levar o meu trabalho a sério porque o meu trabalho também foi levado a sério. Aquilo era um lugar sério em que se estava ali para escrever, para pensar a escrita, pensar a literatura. Então ali, eu pensei: é, acho que é isso.

O que é a literatura brasileira contemporânea?

Acho que é essa possibilidade da gente pensar o nosso tempo — e talvez seja um pouco difícil pensar o que é a literatura brasileira contemporânea fazendo parte dela. Assim como tu me apresentou, como parte da literatura brasileira contemporanea, é talvez um pouco difícil falar o que é essa literatura. Mas eu acho que estando dentro, é uma possibilidade da gente pensar o nosso tempo.

Por que você escreve?

Porque foi o jeito que eu encontrei de organizar as coisas que eu vejo e penso.

Qual um sentimento sobre o mundo que te acompanha desde criança?

Ai, Lenio. Eu não sei se desde criança, eu vou tirar essa parte da infância, porque parece que faz tanto tempo e as coisas de repente ficaram tão urgentes e talvez elas sempre fossem urgentes. Mas eu acho que ultimamente, cada vez mais, e principalmente para a gente que tá aqui no Rio Grande do Sul agora, o sentimento é de que parece que já vai acabar. Embora ele sempre estivesse por acabar.

Quais aplicativos, programas ou softwares te ajudam a escrever?

Eu uso, no computador, Word. No celular, bloco de notas. É bem básico. Não uso nenhum tipo de aplicativo, nem aqueles por exemplo de não deixar entrar no Instagram para não escrever, sabe? Eu enlouqueceria se colocasse aquele tempo, ia ficar esperando aquele tempo passar. É só alternativas para esrever, não para não escrever.

Qual o primeiro livro que você lembra de ter lido?

Eu não lembro direito se eu fui uma criança leitora. Eu acho que devo ter lido, porque vim de uma família de leitores, mas eu acho que talvez exatamente por isso eu tenha sido um pouco avessa na infância, um pouco na adolescencia. Mas eu tinha uns 14 anos e eu li A morte sem nome, do Santiago Nazarian. E eu fiquei impressionada e pensei: bah, queria muito fazer isso da minha vida.

Literatura salva?

Não a todos, mas sim, salva. A mim, salvou em alguns momentos, principalmente quando eu fiquei um longo período sem conseguir escrever e foi escrevendo que eu consegui saí desse longo período.

[Você já foi contestada por algo que escreveu?]

A palavra amplia ou condensa o mundo?

Amplia, amplia. Eu acho que, na poesia, a gente tem muito isso de que a palavra da poesia sintetiza a imagem, ela condensa a imagem, mas antes de condensar e sintetizar a imagem, a palavra amplia. Ela não tem limite.

Como é sua relação com as editoras que te publicaram?

Ótima. Vou falar da minha relação com a 7letras. Jorge, Valeska, André. Todas essas pessoa sempre foram muito legais comigo, sempre foram muito respeitosas com tempo, prazos, vontades, desejos. Então minha relação é muito boa.

Qual sonho você já teve, e hoje não tem mais?

Eu queria muito fazer algum curso universitário em que eu pudesse trabalhar em uma plataforma em alto mar. Queria morar 30 dias em alto mar e 30 dias em terra, só para testar. Mas agora eu acho que já passou.

Para quem você mostra um livro pronto primeiro?

Pros meus amigos que são leitores. Sempre mostro pro Davi, pro Gabito, meu amigo, sempre mostro pra Nanni. Para pessoas leitoras, pessoas que acreditam no meu trabalho, para meus amigos.

Seus pais são leitores?

São. São bastante. São leitores e professores.

Escrever um verso impecável ou um bom poema?

Não sei, porque eu já tive uma conversa que eu disse assim “faria qualquer coisa por esse verso” de alguém, de uma poeta que tinha escrito um verso que era impressionante. Mas ao mesmo tempo eu também queria ter escrito um poema de alguém. Então acho que… um bom poema, um bom poema.

“O que você diz tem ressonância,

o que silencia tem um eco

de um jeito ou de outro político.”

Trecho do poema “Filhos da época”, de Wislawa Szymborska

Se surgisse o convite para você escrever a biografia de algum ídolo, com direito a todos os bastidores e fofocas, quem seria essa pessoa?

Acho que o Arnaldo Antunes. Acho ele interessante.

O que faz um livro ser bom?

A qualidade das imagens.

Escrever é um ofício solitário?

Escrever eu acredito que sim, porque no momento que eu estou escrevendo, eu estou aqui sozinha. Mas ao mesmo tempo, todo um mundo de outras pessoas surge ali, naquele momento da escrita. E deixa de ser solitário quando vai para o mundo, mas talvez também continue sendo solitário mesmo quando vai para o mundo.

O que você vê da sua janela?

Da sala, eu vejo a rua, a cidade, prédios. E como é quase uma esquina, uma rua bem turbulenta, eu vejo e ouço, principalmente, muito, muito barulho de buzina, de acidente, de batida.

Como é sua relação com as redes sociais?

Uso muito. Eu sou de uma geração que viu a Internet começar, então eu vivi esses dois mundos: o mundo sem Internet e o mundo com Internet. E hoje eu uso e não tenho como fugir disso. E vejo muito em sala de aula, que é sempre uma briga da escola de “a gente precisa controlar o celular e tirar deles o celular”, só que o celular faz parta da nossa rotina e até eu, quando tô em sala de aula, que eu não posso pegar o celular, eu sinto vontade. Então eu acho que se esse é o mecanismo que a gente tem no nosso tempo, a gente tem que usufruir dele, mas sempre com algum respeito.

A vida é curta?

É. É muito.

Tudo é ficção?

Não. Tudo pode ser ficção, tudo pode ser ficcionalizado, mas nem tudo é ficção.

Você escreve, ou tenta, escrever todos os dias?

Tento. Eu apenas tento. E assim, tem fases, depois do lançamento do livro, o É curioso foi lançado no final do ano passado e até agora eu tô indo com parcimônia.

Qual o sentido humano mais importante?

A visão.

Você tem medo da morte?

Vixe, não posso mais pular. Ai, eu sempre faço uma brincadeira que já perdeu um pouco a graça que é que eu sou viciada em viver. Eu gostaria de ver, de estar aqui para ver muita coisa, então eu tenho sim. Tenho. Tenho medo da morte.

Qual livro você gostaria de ter escrito?

São dois: vou pegar um do passado e um do presente. É o Longe da água, do Michel Laub, e o Poema do desaparecimento, da Laura Liuzzi, foi publicado a pouco pelo Círculo do Poema.

Você costuma xingar ou dizer palavrões?

Ah, sim. Como eu trabalho com educação, eu tô muito tempo do meu dia em sala de aula, eu não uso diurnamente, mas às vezes acontece. Não em sala de aula, mas na vida à paisana, sim.

Qual sua fé?

Por que eu não deixei para pular no final, né? Eu acho que na gente. Que a gente possa olhar para as coisas com um pouquinho mais de sensibilidade e de conseguir perceber que o outro existe, que abrir mão de alguns dos nosso privilégios não vai deixar a gente menor. Fé na gente, de que a gente vai ser melhor.

O quão política é a literatura?

Muito. Não necessariamente politicagem, mas política, sempre. Sempre política. Todas as palavras são escolha política. A Wislawa que tem esse poema de que tudo, tudo é político.

Como seria um dia perfeito?

Eu gosto muito de café da manhã. Eu tomaria café da manhã o dia inteiro.

Qual o papel da música (ou do silêncio) no seu processo de criação?

Eu ouço muita música e acho que na maioria das vezes escrevo e tem alguma música ou algum tipo de som. Mas eu também gosto muito de ficar em silêncio. Já não gostei, mas hoje eu gosto muito de ficar em silêncio na minha casa.

desapareciento

poema do desaparecimento
laura liuzzi

LJ: Bom, Foi isso. Foram 44* perguntas respondidas.

LC: Meu deus, muita coisa.

LJ: Gostou? Achou difícil, apressado?

LC: Não, não achei apressado. Eu sou assim, ansiosinha, apressadinha. Mas como é curioso a gente receber a pergunta. Porque a grande maioria dessas perguntas eu não conhecia. Eu vi os outros episódios, algumas perguntas, mas é muito curioso quando é pra gente, quando a gente tem que receber essa pergunta e olhar para aquilo que fez e aquilo que não fez ou para aquilo que deseja fazer. É muito curioso, foi muito legal.

LJ: E são perguntas que às vezes podem brincar de serem muito sérias, mas é sempre do momento. Nenhuma resposta precisa ser eterna, aquela coisa de “ai, respondi uma pergunta e vale para sempre”. É sempre do momento.

LC: Tomara que daqui a pouco eu passe num concurso para, sei lá, alguma empresa que tenha algum navio em alto mar.

LJ: Pois é, achei super curioso isso, inclusive. E para finalizar, já agradecendo muito o espaço, a conversa, a abertura, a troca, tudo: pedir uma indicação de um livro que você leu recentemente, que você gostou e que você recomenda pro pessoal.

LC: Eu tô ainda muito impressionanda e quase levando na casa dos outros a palavra da Laura Liuzzi, do livro Poema do desaparecimento. Eu cheguei a fazer isso. De convidar pessoas e dizer: posso ir na tua casa para ler um livro? E ler o livro inteiro! Então Laura Liuze, Poema do desaparecimento.

lenio carneiro jr
é pesquisador, designer e escritor.