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ESBOÇO,
ㅤㅤ ㅤTRÂNSITO,
MÉRITO

um trajeto pelos temas, cenas e personagens da trilogia que consagrou rachel cusk na literatura contemporânea

esboço
rachel cusk
tradução de Fernanda Abreu

todavia
192 páginas

1.
Nas primeiras linhas de Esboço, a narradora diz que a pessoa que ela havia acabado de encontrar fez um esboço de sua história de vida. Talvez, Rachel Cusk, por meio da narradora, esteja nos avisando que esse é um livro sobre devir, é um olhar sobre a vida em movimento. Um bilionário tagarela que pode comprar qualquer coisa, inclusive o título de escritor; um divorciado que conta sobre seus casamentos anteriores de forma suspeita; uma escritora que ouve, julga e descreve pessoas e situações com apontamentos perspicazes, mas não fala quase nada sobre si. Esses são personagens que, apesar de complexos, sempre serão rascunhos, como somos nós, no cotidiano. Caminhamos por aí, cruzamos com pessoas e situações, sem nunca conseguir produzir uma imagem completa sobre quem somos. Talvez, sem a morte para dar forma à vida, não existam versões finais – apenas esboços.

2.
para viver, é preciso, sobretudo, narrar.
um casamento é um sistema de crenças, um conjunto de histórias que duas pessoas precisam acreditar. quando uma delas duvida, a verossimilhança se rompe. e, então, vêm as narrativas do divórcio, da traição, da perda da casa, dos conflitos com filhos, madrastas, sogros e sogras.
a todos é dado o poder de narrar, inventar coincidências para que a vida pareça mágica, entender o inesperado como um convite do destino. para ter tudo na vida, é fundamental inventar que deseja o que se tem: é necessário acreditar nas ficções, no mandamento de que precisamos cuidar de nós mesmos para só depois cuidar dos outros, no dinheiro como um país em si.
quem narra, controla as versões sobre a origem aristocrata da família, da vida em um colégio interno, das viagens num avião quase imóvel. quem não narra, quem é incapaz de dar a sua própria versão da história, é abandonado numa ilha.
para viver, é preciso, sobretudo, narrar – e isso é mais difícil do que parece.

 

3.
Um professor que fugiu de seu destino por meio de uma escada rolante imaginária. Ele não pode parar porque, senão, a escada o leva de volta. 

No início da minha escada, enxergo montanhas cercando ruas planas lotadas de carros pratas, pretos e brancos e vejo a metalúrgica imponente soltando fumaça.

cruzeiro, fevereiro de 2016
arquivo pessoal

4.
ensaio o que escrever com a mesma frequência que não escrevo. enrolo dias para retornar a meus cadernos, me explicar o que estou pensando, arrastar o dedo pelas teclas. quando estou pronto para escrever, jamais escrevo. é então que surge o início de uma ansiedade, uma preocupação que não sai da minha cabeça, um problema que não depende de mim resolver. 

para me distrair, para procrastinar, escrevo. 

escrevo tudo que pensei por dias e dias e dias e dias. essa sensação explosiva de que fala o personagem de cusk me vem nos piores momentos, nos mais complicados: é quando estou mal que algo dentro de mim se adensa e faz uma força irresistível para nascer. escrever, conjugar corpo e mente no mesmo ato, me afasta daquilo que não consigo mudar. escrever para decidir como quero ser e então sê-lo. a escrita como uma dor transmutada. a maldição ficando para trás.

 

5.
É possível reconstruir alguém pelos seus objetos ou a pessoa formada não passa de uma invenção do observador? 

Após se instalar em um apartamento alheio, a protagonista explora cômodos e gavetas, sem encontrar indício de vergonha, de caos, de mistério. As personagens de Cusk são tão vivas, que consigo imaginar a dona do apartamento se esgueirando por cada canto, para retirar qualquer dado comprometedor de sua existência. Para a protagonista só restou a ilusão dos objetos de arte, da cozinha sem panelas e da coleção de sinfonias. Ela parece ter entendido que aquela era uma exposição da moradora, o espaço do apartamento é uma instalação de si mesma, uma forma de gritar intelectualidade e refinamento. Uma perfeita ilusão de ótica, tão planejada quanto a imagem, de tamanho exagerado, de pessoas rindo na janela do café.

 

6.
as obras de arte de um apartamento: numa parede, estão penduradas diversas miniaturas de barco – feitas em madeira pintada, com detalhes minuciosos, como minúsculos rolos de corda e instrumentos de latão e conveses lixados. as velas, brancas, estão dispostas em curvas tensas, com um acabamento complexo, presas por fios tão finos que se tornam quase invisíveis contra o fundo. em outro cômodo, uma estátua carrega mais de um metro de altura em enigma: quem olha para aquela mulher terracota não sabe se está sendo enfrentado ou abençoado. o sistema de som do apartamento (diversas caixas pretas simples e compactas) ampliava em dez vezes o tamanho do apartamento quando ligadas em uma sinfonia qualquer. de frente para a saída, uma fotografia de pessoas se divertindo e bebendo café – figuras assustadoramente reais, maiores, mais felizes e mais bonitas que as verdadeiras. 

a ficção é essa fotografia que obscurece a realidade, essa música que expande qualquer lugar, as esculturas que confundem, os fios fáceis de esquecer que estão ali. ser escritor é uma profissão digna da mais alta confiança.

recorte 1
óleo sobre tela
antônio lee

7.
A protagonista mergulha e começa a nadar para longe do barco. Entre as braçadas, seu desejo por liberdade cresce e ela sente que poderia chegar no alto-mar. Ela já sentiu isso antes, mas ao invés de buscar um lugar onde o mundo era maior, ela queria a liberdade para escapar de tudo que tinha. 

Quando volta para o barco é alertada, seu acompanhante diz que lanchas chegam do nada e colisões podem acontecer. Dali, ela assiste a uma família e lembra da sua própria, que agora está menor, após o divórcio. Naquele barco, ela parece ter fugido de tudo que tinha e, com isso, conheceu a face ilusória da liberdade. 

Ela mergulha novamente, sem ir longe dessa vez e, em pouco tempo, sente medo de estar sozinha na água. Ela retorna para o barco, uma ação muito mais simples do que retornar para a vida de antes, na qual por mínima que fosse a liberdade, ela não sentia tanto medo.

8.

9.
As melhores partes desse livro são algumas reflexões que surgem cortantes, no meio de uma situação para dar-lhe uma nova camada de sentido. Uma delas foi sobre a vida ser uma punição para os momentos de desatenção. Isso não me parece um equívoco, ser punida por um erro é algo que faz sentido desde meus cinco anos, quando babava nos bancos das igrejas. Então, sempre que vejo qualquer coisa relacionada a prestar atenção, volto a ficar atenta a minha volta, como agora, enquanto leio, ao lado dela, no sofá. Há poucos segundos, ela encostou seus pés nos meus, que estavam expostos à luz do fim da tarde, e eu olhei pela janela, esperando o sol se mover dali.

 

10.
quando comentam esse livro, dizem que rachel cusk escreve sobre vidas comuns, onde nada acontece. ela usa a cena mais cotidiana, menos interessante, como matéria-prima para sua literatura. 

o quanto esse livro engana? 

minha vida em nada se parece com a de uma escritora de meia idade, dando cursos na grécia, passeando de barco, tendo amigos em diversas partes do mundo, conhecendo algum prestígio e admiração. esperamos de nossas vidas aquilo que esperamos de nossos livros, suas jornadas em direção a um final feliz, as frustrações e punições sendo justificadas. 

o quanto esse livro me engana?

 

11. 
Eu poderia me chamar Jéssica, caso meu pai tivesse escolhido meu nome. Nada contra Jéssicas, mas prefiro o que ficou. 

Tento não ser a última a falar, mas quase sempre me perco no meio do caminho e quando percebo estou na mesma posição: a de querer ficar minúscula, mas o que acontece é o oposto, como quem diz “não me notem!” e atrai todos os olhares para si. Dessa vez, acho que sei porque enrolei tanto, eu não tenho nada a dizer. Eu sei, é vergonhoso, mas é verdade: não prestei atenção. Saí de fones e ocupei meu tempo com uma timeline infinita, até esbarrei em alguém, mas nem sei dizer se tinha cabelos curtos ou longos. 

Como forma de compensar esses desacontecimentos, escutei com minúcia cada um dos relatos da aula de hoje: quase todos foram uma mistura entre mundo objetivo e subjetivo, mostrando que toda a matéria prima da ficção está naquilo que nossos sentidos podem captar. Por isso, decidi que vou voltar para casa hoje sem nada bloqueando os olhos e os ouvidos. 

Eu preciso da ficção para não escapar da vida.

 

12.
dois pombos bebiam a água acumulada no meio fio. a obra nova do quarteirão não parou no segundo andar. a lanchonete da esquina não retirou todas as mesas da calçada. quando olho bem, ainda vejo no muro de um vizinho alguns rastros da palavra hexa, pintura antiga que sobreviveu ao tempo. o céu escurece mais rápido do que o esperado. agora caminho sem fones de ouvido. somente uma pessoa foi vista.

governador valadares,
janeiro de 2021
arquivo pessoal

13.
Jornada do herói: partida, iniciação e retorno, um padrão narrativo, uma história com início, meio e fim, uma narrativa que faz sentido. 

Ao contarmos uma história, é comum seguirmos essa lógica e quem melhor consegue fazer isso pode ser reconhecido como um contador de histórias. Em Esboço, parece que os personagens estão sempre buscando esse sentido ficcional para a vida, esperando que ela tenha uma forma integrada, de maneira que todas as oposições façam algum sentido ou se resolvam em algum momento. 

Mas existem situações sem fim. O escritor verá um mundo, onde a felicidade existia, desaparecer por completo e continuará vivendo. A escritora não vai conseguir equilibrar carreira e filhos, não importa a quantidade de teoria feminista que ela leia. A solidão irá se debater entre os lençóis que um dia cheiraram dois odores diferentes.

 

14.
cada página de esboço parece estar preenchida com algum tipo de comparação entre arte e vida, ficção e realidade, que aponta para a dificuldade humana em separar as duas coisas. queremos da vida a catarse, o sonho, a imaginação. queremos da ficção a verossimilhança, o equilíbrio, a sensatez – a arte nos convence de que a vida humana tem alguma espécie de lógica.

esse mesmo jogo é rascunhado em cada relacionamento, onde esperamos das pessoas aquilo que elas não podem dar. quando inseridos numa relação de decência, igualdade, virtude, honra, sacrifício pessoal, economia, bom senso, disciplina, rotina, procuramos o movimento, o desajuste, a irresponsabilidade. buscamos o fim do tédio. buscamos um enredo.

é o que o conhecido da protagonista parece sinalizar com cada história que conta sobre seus casamentos. concordo, talvez eu não consiga viver uma vida sem intriga. a verdade é que às vezes temos horror à paz, o que não deixa de significar que sentimos medo da própria morte. o medo do fim da nossa história.

 

15.
O diálogo pode gerar conflitos, mas qual é o sentido da vida em silêncio, apartada do outro? 

Relacionar-se é descobrir a si mesmo por meio do uso de palavras, é formar um eu a partir da linguagem. Quem se recusa a dialogar nega novos significados, esconde-se. Em outras palavras, acredita em um eu estático, como se não fôssemos fluídos, a cada momento diferentes e, por isso, opacos para nós mesmos. 

Relacionamentos começam como se dois ou mais estrangeiros, vindos de diferentes lugares, estivessem no solo de um país que nenhum deles conhece. As línguas diferentes são uma confusão no início, mas, aos poucos, um dialeto em comum emerge. No fim, mesmo que voltem para os países de origem e tentem silenciar a experiência anterior, irão lembrar que a palavra ‘eclipse’ não se refere apenas ao fenômeno astronômico, mas a alguém que se esconde atrás do silêncio.

bahia, novembro de 2020
arquivo pessoal

16.
uma personagem descreve as pessoas em uma praça com um tom soberbo. mendigos andam entre as pessoas, que falam alto sem prestar atenção em nada ao redor, pessoas que demoravam algum tempo até enxergar a mão estendida pedindo por algo, uma silhueta humana a ser enxotada ou preenchida com uma moeda. pessoas que seguem sem prestar a menor atenção, comendo e conversando, imersas nas próprias vidas.

a narradora parece estar no lado oposto desse esquema, num ponto extremo que também parece um prejuízo. ao longo do livro, caminha por lugares que não a provocam em nada. nenhuma lembrança de uma pessoa distante rende assunto. está tão imersa no presente de si que não se envolve. fala muito pouco da sua vida quando estabelece diálogos. é uma boa ouvinte ou uma pessoa ensimesmada? sua ausência de caracterização me deixa na dúvida.

 

18.
certamente, meus capítulos favoritos de esboço são aqueles relacionados à oficina de escrita criativa que faye ministra e como essa fauna de personagens reage às provocações da professora: um escritor que tenta forçar a proposta da professora a se encaixar em uma ideia prévia de tema e narrativa; outro que consegue escrever apenas a partir da própria experiência, inventando pouquíssima coisa ao redor dela, de forma que seus leitores o tomam como totalmente autêntico; uma pianista que escreve por hobby e passa a enxergar o mundo com outros sons depois de assimilar o exercício; uma escritora que escreve seus sonhos, vívidos e estranhos; uma escritora que não escreve.

entre as respostas e conversas, aparecem questões sobre estilo pessoal, cadência, imersão, repertório, inspiração, representação. todos se questionam o que é e o que não é o ofício do escritor, qual a utilidade de escreverem, o que suas palavras provocam no mundo concreto.

a arte não participa dessa ordem prática: certa dona de casa ocupada jamais mudaria seu ser por causa de palavra alguma.

o que muda em mim quando leio, logo penso, é o meu ver: a vida, quando a olho pelos olhos de rachel cusk, parece muito rica.

19.
Imagino o tormento de uma dramaturga que, após um evento traumático, começa a resumir o mundo em uma palavra. Ela não vê mais sentido em escrever, já que poderia resumir uma história com a palavra “insegurança”, por exemplo.
Se, como ela, todos reduzíssemos acontecimentos, pessoas e obras a uma palavra, iríamos regressar cinquenta mil anos. As línguas iriam desaparecer e, à medida que fossem sumindo, os impérios também cairiam e a natureza tomaria aquilo que é seu por direito. A síntese é a morte da narrativa e a narrativa está em tudo que nos torna humanos. Um mundo resumido é um mundo impossível.

 

20.
quando estava pesquisando o que as pessoas diziam sobre esboço na internet, acabei encontrando o vídeo de uma brasileira que morava na suécia há um tempo. ela salienta que ler em outro idioma a ensinou a ler de outro modo, menos afetado. segundo ela, ela se emociona melhor em português.

essa frase, que, até então, me parecia uma mera constatação sobre seus hábitos, ganhou outro sentido quando cheguei ao último capítulo do primeiro romance e encontrei exatamente essa discussão: a língua como uma barreira. nos termos do livro, o ato de escrever em uma língua que não é sua. 

para alguns, é lamentável abandonar parte de si nessa transição, se reduzindo a um vocabulário menor. por outro lado, há a possibilidade de se estranhar, se reinventar, libertar-se de acúmulos e vícios verbais.

novamente, a autora utiliza essas circunstâncias linguísticas dos personagens escritores, para falar sobre a vida de qualquer pessoa. o rompimento com a língua é o rompimento dos casamentos, amizades, refeições, traumas, objetos roubados, passeios perdidos contados por todo o livro.

de certo modo, essa segunda perspectiva sobre a perda – a autoinvenção, a adaptação – é atraente, até o momento em que você se depara com a aflição de encarar tudo aquilo que deixou para trás – todas as palavras, costumes, hábitos, pessoas, apartamentos, quilos, emoções. não sobrou nada de você.

narrar deixa isso evidente: a cada vez que se conta uma história de separação, uma nova particularidade surge, fazendo você reviver momentos que ainda permaneciam intocados, velados. o drama se torna ainda mais real. a palavra, que deveria significar acesso e liberdade, parece também significar sempre o reconhecimento do mistério, de algo que falta. enquanto falam, as pessoas sempre começam a se ver como esboços, silhuetas, formas vazias, conteúdos desconhecidos.

até o ponto final, sempre faltará um detalhe.

trânsito
rachel cusk
tradução de Fernanda Abreu

todavia
200 páginas

21.
Em destaque, um louva-a-deus aprisionado por uma mão adulta dentro de um copo plástico; ao fundo, o esbranquiçado do céu e o azul da água. Essa imagem estática está na minha frente e, mesmo com um esforço de imaginação, percebo poucos movimentos possíveis: do rio e da luz, que sofrem pequenas oscilações; do inseto, quase sem espaço, batendo contra as paredes transparentes; da mão que poderia acabar com a agonia e libertar o inseto.

Essa imagem que estampa a capa de Trânsito é esquisita e parece até contraditória com o título do livro, porque quando pondero sobre a palavra trânsito, visualizo a afluência de pessoas em uma avenida lotada; penso nas linhas férreas, nas turbinas de aviões e na fumaça dos carros; sinto o caráter passageiro de toda experiência humana. O próprio louva-a-deus é associado à entrega ao fluxo da vida.

Mas, como na figura é tudo muito restrito, imagino um engarrafamento, com a cacofonia de buzinas característica e pessoas presas em suas grandes latarias, reféns de um tempo que não passa; deduzo que o movimento natural da vida está sendo capturado por algo quase invisível, mas avassalador.

 

22.
pessoas se descontrolam e choram como crianças frustradas na frente de um corretor imobiliário quando não conseguem efetuar a compra do apartamento que desejavam. uma empregada doméstica se assusta quando percebe, depois de trabalhar em muitas casas, que é espantosa a quantidade de pessoas que não conseguem acender uma lareira, cozinhar um ovo ou se vestir — pareciam crianças. um homem narra um momento de consciência máxima que atinge em uma festa: todas as pessoas ali na sua sala, incluindo ele, não eram adultos, mas crianças em corpos que cresceram muito depressa. faye tem a mesma sensação: aquele homem ao lado dela era grande, carnudo e estranhamente parecido com uma criança, como um menino gigante. o rosto nu de uma mulher sem maquiagem, marcado de traços precisos, parecia o de uma criança preocupada. quando a narradora se sente cuidando de si mesma com carinho, ela se enxerga como se fosse uma criança. até mesmo o traço do pintor modernista marsden hartley é descrito como infantil: um estilo ingênuo, um brinquedo de criança, espirais que uma criança teria pintado.

se olharmos atentamente os gestos, os maneirismos, a competitividade, a ansiedade, a raiva, a alegria, as necessidades emocionais das pessoas que nos rodeiam, talvez veremos também: todos agem como melhores amigos num parquinho.

three masted boat
óleo sobre papel cartão
marsden hartley

23.
Vidas atrás de vitrines que, quando iluminadas, assemelham-se a palcos onde ocorrem cenas de amor, discussão, solidão, diligência, amizade, tédio e dissociação. Quem se dissocia passa a ter a sensação de estar desempenhando um papel numa peça de teatro, de forma que os lugares parecem irreais, como o anoitecer de uma cidade que ao invés de escuridão, traz uma luz que irradia de todos os lados. 

A irrealidade sentida por diferentes personagens de Trânsito talvez esteja refletida nas casas: nenhuma delas parece habitável. Algumas imitam túmulos por causa do frio e do pó de uma reforma; outras são tão perfeitas, que se assemelham a uma casa modelo, planejada por cenógrafos; ainda tem a casa de vidro e aquela que aparenta estar prestes a desabar, de tão imunda, com o teto afundado e amarelado. O deslocamento dos personagens em relação às suas vidas e aos espaços que elas ocupam parece ser uma outra forma de mostrar sua inércia no tempo.

 

24.
algo estranho para um livro que se chama trânsito: cenas e cenas onde pessoas descrevem a fixidez de suas casas.

há moradias em locais selvagens e remotos, que se parecem com tocas selvagens, com estética vitoriana, com cercas vivas descontroladas, cheias de cômodos extensos, com vistas para árvores num bairro belo, feitas de ripas de madeira, ao lado dos trilhos de um bonde, parecidas com um túmulo, de paredes arredondadas, com fachadas de vidro que permitem ver de fora os moradores cuidando de seus afazeres… casas ruins em ruas boas, casas boas em locais ruins. recém-pintadas (com jardins arrumados com churrasqueiras, móveis de exterior e canteiros de flores perfumados) ou eternamente em obras (desconfortáveis, barulhentas e empoeiradas). quando saem pela porta de suas casas de manhã, impecavelmente vestidos para o trabalho, adultos param para olhar em volta com um leve sorriso, como se houvessem acabado de recordar algo agradável.

quase todos os personagens nesse livro se interessam em descrever suas casas: às vezes, para deixar os outros com bastante inveja; outras, com a intenção de justificarem amarguras. abandonar as casas parece exigir coragem, então remoem essas cenas de separação, divórcio, abandono dos pais em meio à enumeração das vistas, obras de arte, livros e demais objetos que não carregaram consigo – sentem medo de deixarem a si mesmos para trás. mudar-se pode parecer liberdade, mas comumente é aflição. usam a palavra culpa sem medo para descrever o que outras pessoas teriam chamado de saudades de casa – a ausência dos seus próprios mundos conhecidos.

medo, culpa, selvageria, fracasso, frieza, imundície: em trânsito, as casas de infância parecem definir o tipo de narrativa que eles contarão sobre si. parecem definir o tipo de adultos que eles serão.

adultos com traços de crianças.
melhores amigos num parquinho.

Incêndios (2010)
Denis Villeneuve

25.
Ouvir conversas dos vizinhos em diferentes idiomas, não saber onde está, nem em que fase sua vida se encontra. Ser diferente de seus pais, fazer de tudo para que sua filha não sinta que só é amada quando aceita seus desejos. Preservar o retrato de uma jovem mulher sorridente em um cômodo sujo, entulhado e opressivo. Escrever um livro autobiográfico para controlar a história. Pesquisar durante anos a vida de um pintor e não admitir que ele passou por traumas de infância parecidos com os seus. Construir uma casa de vidro no meio do mato, ver o seu pai criticar até isso e dizer: basta. Ser adotado, crescer como uma criança gentil, tornar-se rebelde na adolescência para, na vida adulta, ler que a psicologia previu seus comportamentos. Trair a mulher, caminhar por Roma, ligar para a prima e dizer, nas entrelinhas, que não vê mais futuro. Gravar centenas de horas dos jantares de família, perceber que os irmãos notaram, dividir com eles as audições como forma de compreender o relacionamento dos pais, perder os pais, não dividir as fitas com os irmãos, assistir eles se distanciando. Deixar os filhos livres, dizer que basta eles serem amados, ver o marido controla-los como a filha dele era controlada no relacionamento anterior. Ler sete livros por semana, começar a confundir realidade e ficção, discutir longamente com o parceiro sobre histórias que duvida serem fatos. Não reconhecer como pai o homem que te criou, querer conhecer quem te gerou, chorar de soluçar por não conseguir o que quer. Viver todas as histórias que te contam como se fossem sua vida.

 

26.
na mesa do evento de literatura que a narradora participa, um dos palestrantes conta que, quando anunciou para sua mãe que tinha escrito um livro, a primeira coisa que ela disse foi uma constatação: você sempre foi uma criança difícil.

ele acredita que, de maneira geral, escritores tiveram pouca distinção na infância. qualquer escritor que negue isso seria um mentiroso. escrever era uma forma de aparecer, se vingar de todos aqueles que não haviam prestado atenção suficiente neles quando eram pequenos.

a gente nunca abandona nossa infância.
a gente nunca abandona nossas casas.

27.
Se a leitura completa dos planetas prevê um trânsito importante no céu hoje, qualquer acontecimento do dia poderá ser adequado ao que foi falado previamente. A astrologia é uma ilusão de significado e funciona como uma profecia autorrealizável, como se viver fosse ler. A existência do destino é uma ideia sedutora e as diferentes formas de previsões inventadas talvez sejam uma resposta humana para o sentimento de impotência deixado pelas experiências vividas. Ler para viver concede uma ilusão de controle do futuro e, por isso, vale a pena abrir mão da assustadora liberdade. Reconhecer as leis do destino é o oposto de ter vontades, aceitar a capacidade de destruição e se responsabilizar pela vida. 

A estagnação de Trânsito é essa: personagens que estão de alguma forma suspensos no tempo por não conseguirem superar o passado que pesa como chumbo.

governador valadares,
março de 1996
arquivo pessoal

28.
se todas as coisas estão praticamente preordenadas, justificadas antes mesmo de ocorrer, não há liberdade. é impossível acreditar em liberdade e, simultaneamente, em destino. é impossível acreditar numa caminhada por campos vastos no escuro, numa viagem sem aviso até outra cidade onde há animação e glamour, numa fuga para qualquer lugar que te deixe leve e, simultaneamente, na espera que pesa sobre os ombros, na compulsão do tempo que se torna chumbo, nos hábitos que não conseguimos mudar mesmo com grande força de vontade.

essa ideia aparece diversas vezes em trânsito, a primeira delas na forma de um mapa astral. outras, na forma de diálogos que se repetem em fitas, traumas causados por brigas dos pais, objetos quebrados, reformas que nunca acabam, dentes tortos. imersos nas próprias vidas, todos reduzem uns aos outros ao status de meros personagens das vidas que narram e, ao narrar, camuflam a capacidade de destruição que têm. os acontecimentos são desdobrados como se viver fosse um simples ato de ler para descobrir o que vem depois.

é preciso coragem para sair da infância, do parquinho, da estrutura. liberdade é uma casa da qual você vai embora uma vez para nunca mais voltar.

 

29.
Quem se sente estagnado busca trânsito. Paga por leituras astrológicas, viaja para outros lugares, ouve a vida de diferentes pessoas, presta atenção no mundo, muda de ideia, busca por poder. Será que isso é o suficiente para fazer a vida parecer mais como vida e menos como encenação?

Dentro de mais uma vitrine da vida, quando menos se espera, os olhos se abrem no fim da madrugada. Eles enxergam as ruínas do jantar de ontem e avistam, para além da janela, uma estranha luz subterrânea. Algo começa a mudar no interior do corpo como placas tectônicas se movendo por debaixo do solo terrestre. Então os pés caminham para fora do palco e avançam com a segurança de que a cabeça não irá se voltar para trás.

 

30.
uma aluna de faye, quando fala sobre as obras de arte que aprecia, afirma que, por meio da existência daqueles quadros, ela se distancia de si. sua vida se tornava algo que ela podia ver, em vez de estar imersa nela como costumava estar. outro personagem apresenta uma obsessão que tinha na infância: gravava fitas de áudio das reuniões em família, dos jantares à mesa, das discussões escondidas e, posteriormente, noite após noite, reproduzia vezes e vezes essas conversas para descobrir quem são, no fundo, seus pais. outra, no verão, ficava sentada até o anoitecer observando a família de vizinhos que jantava no gramado, bebendo vinho e conversando alto em francês ou alemão — no escuro, ouvindo o burburinho estrangeiro, ela esquecia da fase da vida em que estava.

é essa a sensação que trânsito passa: pessoas vivendo suas vidas enquanto você observa de longe, tão estático quanto cada uma delas. 

no último capítulo, se entende que faye é cada leitor, quando a narradora, numa das raras vezes em que fala de si, afirma para um amigo que descobriu mais coisas sobre a vida ouvindo as histórias dos outros do que parece ser possível.

mas você precisa viver, faye — ele responde de volta.

mérito
rachel cusk
tradução de Fernanda Abreu

todavia
174 páginas

31.
Prêmios são concedidos para pessoas erradas, ainda que não haja má intenção envolvida, isso porque o mundo é regido por um conjunto de regras implícitas que favorece algumas pessoas, enquanto esmaga outras. Esse fato, invisível para uma boa parcela do mundo que é iludida pelas narrativas meritocráticas, torna-se menos opaco em um país dividido entre catolicismo e futebol, que passa por uma grave crise econômica e encontra no conservadorismo a única forma de se manter estável.

De toda a trilogia, o terceiro livro parece ser o mais calcado na realidade, se é que se pode dizer isso a respeito da literatura. Fatos políticos recentes como o Brexit e a ameaça à democracia são discutidos e até a maneira como os personagens contam sobre as suas vidas parece ter uma reprodução de verbos usados em um contexto capitalista: valorizar, perder, ganhar, reconhecer, poder, merecer, precisar, honrar. Nessas histórias, são mostrados o poder do capital diante da arte, dos homens sobre às mulheres, dos pais em relação aos filhos.

 

32.
faye tenta caminhar por um hotel construído com uma circularidade confusa. todas as fontes de luz natural do edifício estão escondidas por divisórias, de modo que os caminhos são quase completamente escuros. várias vezes tenta ir a algum lugar, mas se vê novamente no ponto de partida. depois de andar longas distâncias, percebe que as coisas já estavam do seu lado. a luz aparece somente quando esbarra de modo aleatório. para dizer de outro modo, você só descobre onde está quando já chegou.

a arquitetura de mérito é cheia de metáforas para representar essa virtualidade que engana as personagens. uma cidade com um grande sistema rodoviário onde andar de carro era acreditar em desvios do destino. a sede de grande evento que visa ser popular tendo acesso limitado por meios de transporte públicos. um banco público que está virado para um estacionamento no lugar de estar virado para a vista. ruas largas e vazias de concreto estão fissuradas, rachadas, repletas de ervas daninhas. todas as ruas de uma cidade conduzindo infalivelmente para uma série de comércios em estado de ruína parcial. o gps que não funciona na região. certas passagens largas e lisas que simplesmente param no meio do nada.

a ambientação das cenas, todos os prédios rachados, todas as ruas desertas ensinam que nossas ideias de avanço e evolução são meras crenças. a gente acredita que algumas pessoas cruéis estão sendo vingadas quando algo ruim acontece com elas, mas é apenas uma impressão causada pela nossa sensibilidade. o mundo é cheio de pessoas que levam vidas más sem serem repreendidas e de outras pessoas que levam vidas virtuosas sem jamais serem recompensadas. acreditamos numa linearidade que não existe. ainda estamos bem fixos mas talvez nada seja tão fixo assim.

 

33.
A beleza leva tempo, como pés de jacarandá, que demoram décadas para se desenvolver e, apenas por duas semanas de cada ano, explodem em flores roxas luminosas fazendo das ruas daquele país um espetáculo fugaz. Tudo que leva tempo, entretanto, é consumido pelo capitalismo. 

Após várias crises e nenhuma mudança de sistema, gerações e mais gerações de humanos nasceram sob o desamparo do capital. A vida passou a ter um objetivo bem específico: o acúmulo de bens e por meio do desejo e da ambição tudo pode ser conquistado.

O diretor de uma multinacional vende tempo de vida em troca de dinheiro, mas elabora uma planilha com o título “liberdade”, enquanto compara seu trabalho a um método de tortura medieval. A escritora consegue o que muitos querem: é convidada para uma residência onde disporá de todo o tempo para escrever sem ser perturbada, mas acaba deprimida ao perceber que o luxo não soluciona problema algum. Os visitantes do hotel fingem não notar a falta de autenticidade do espaço que tem um papel de parede estampado com livros, mas sem livros reais. As famílias plantam pés de jacarandá em seus jardins, esperando que as imperiosas leis da natureza não se apliquem a elas; após um ou dois anos, quando notam que a árvore cresceu apenas alguns centímetros – como deveriam ter esperado – ficam frustradas.

Enquanto o capitalismo continua a causar combustões, o instinto humano para apreciar a beleza vai queimando.

34.
ainda estamos bem fixos. olhe bem para a situação do nosso país. deveríamos estar acompanhando as maquinações da democracia, mas o noticiário mostra a rendição final da esfera pública. você precisa interpretar os dados, e o perigo nesse caso é que as coisas podem parecer muito subjetivas. 

as fichas que recebemos no barzinho são iguais: isso é injusto, pois não fazem distinções com base na necessidade de cada um, ou isso é justo, afinal, alguém poderia dizer quais são as necessidades do outro? 

nós inventamos sistemas com o intuito de garantir a justiça, favorecer o mérito de cada um, mas a condição humana é tão complexa que sempre se esquiva das nossas tentativas da abarcá-la. 

orientadores que roubam ideias dos estudantes. tradutoras que não são creditadas quando um livro estrangeiro se torna sucesso de vendas. imigrantes que podem ser expulsos dos seus lares a qualquer momento. mulheres para quem o progresso significa o dobro de trabalho e o triplo de culpa.

para algumas pessoas é mais fácil, sempre foi, e eles farão de tudo para que continue sendo. ao que tudo indica, os prêmios continuarão sendo concedidos à pessoa errada, mesmo sem má intenção envolvida.

 

35.
Homens são reconhecidos pela lei, pela objetividade e pela honestidade. Homens, quando olham para mulheres, veem o corpo e o separam da mente irracional. Maridos acham que esposas conservam hobbies, enquanto exercem a vocação de ficar em casa com as crianças. Homens provedores, que viajam em voos executivos para todo canto do mundo, acreditam que cuidar é tarefa simples e banal. Homens ensinam aos filhos como agir em relação às mulheres. Os casamentos acabam e homens usam a lei como arma para conseguir o que querem e não como um instrumento para chegar à justiça. Homens separados querem virar os filhos contra as mães. Homens puxam os cabelos das mulheres até suas cabeças doerem. Homens perseguem suas ex e as aniquilam a cada sinal de vida. Homens querem, podem e fazem, mas sempre haverá algum homem para dizer “nem todo homem”.

 

Salomé com a cabeça de são João Batista
óleo sobre tela
Artemisia Gentileschi

36.
mas talvez nada seja tão fixo assim perante o capitalismo, sempre a devorar com suas chamas o conhecimento, as ideias, a cultura, a beleza. apaga-se a verdade, o saber, o coletivo. o mundo sem guerra é também um mundo sem memória. as coisas são repostas agora com tanta facilidade que é como se nada importasse.

as feiras e entrevistas em mérito apresentam bem esse sistema literário que esgota um autor, estampando seu rosto em revistas e cartazes de eventos, até que outro ocupe seu lugar. esse passatempo privado – a leitura e a escrita – se tornou um mercado, uma preocupação social, em que muitos escritores demonstram excelência nas aparições públicas enquanto produzem obras francamente medíocres. faye transita por festas com outros escritores, participa de feiras e eventos conde pessoas imitam escritores conversando, discute literatura de formas sem vida e artificiais. as cópias são tão onipresentes que quase fazem a gente esquecer da existência do original, quase dói regressar à cor daquela autenticidade perdida. tudo em torno do livro se tornou um espetáculo.

toda vez que se escreve algo novo também se cria a obrigação de reagir – a roda gira e tudo queima. um pequeno ajuste no gosto do público, uma decisão de gastar dinheiro com outra coisa e, então, a estrutura inteira pode desaparecer num instante. o que irá sobrar?

37.
O cenário de Mérito, uma cidade cujo nome permanece um mistério, está relacionado com as histórias que são contadas. Os personagens parecem procurar o sentido da vida na retribuição e na justiça, sendo guiados pela ideia de que quem leva uma vida virtuosa, deve ser recompensado; quem leva uma vida má, deve ser repreendido. Por isso, muitos deles olham para o passado selecionando determinados acontecimentos, afim de montar uma narrativa que possa explicar o presente.

Mas viver é percorrer ruas que não dão em lugar nenhum, é passar muito tempo procurando algo em construções circulares confusas, é se perder nas fissuras do concreto rachado, que estão repletas de ervas daninhas. As narrativas pessoais tentam simplificar o caos e ocultar o labirinto por trás do mérito – a vida em si.

children and chalked wall 3
óleo, jornal e folha de metal sobre tela
joan eardley

38.
nas conversas com seus editores e tradutores, faye narra como todos estão em busca de um livro que tenha não só uma conexão com os valores da literatura como um bom desempenho frente a um mercado em crise. em outras palavras, histórias que as pessoas pudessem de fato apreciar sem se sentirem nem um pouco diminuídas ao serem vistas lendo-os. 

as características batem quando percebemos que a trilogia esboço foi vendida para casas editoriais com apego ao que chamam “ficção literária” de diversos países. rachel cusk é simultaneamente elogio da crítica e fenômeno de público. mérito é um livro que discute a si mesmo, tenta entender suas próprias razões. 

em um dado momento, a escritora faye é elogiada por um jornalista que se impressionou com sua obra. ele admira o fato das personagens de faye discorrerem sobre assuntos interessantíssimos a partir de uma pergunta simples, quase banal. o que você viu do caminho até aqui?, ele devolve à autora a pergunta que uma personagem fez em seu livro de maior sucesso.

no mesmo instante, reconheço a pergunta, pois essa cena também me marcou. uma interrogação presente no primeiro livro da trilogia. essa pergunta, retornando aqui, não só faz todos os personagens daquela cena se expandirem, como dá uma nova camada para tudo que foi dito até então em todos os livros.

faye escreve um livro que se torna sucesso de vendas. nós já lemos uma de suas frases. parece, num primeiro momento, sob uma interpretação rasa, que faye é a própria autora da trilogia. depois, com calma, entendo o ponto: rachel cusk está, novamente, apagando as fronteiras entre fora e dentro, defendendo até o fim que a vida é a única matéria possível para a arte.

tayná gonçalves
é jornalista multimídia. escreveu os fragmentos ímpares.

andre aguiar
é jornalista e pesquisador. escreveu os fragmentos pares.